19/10/2023 às 23h08min - Atualizada em 19/10/2023 às 23h08min

​Em terra de cego quem tem um olho é Rei

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Desde a imaculada América pré-colombiana os índios americanos possuíam uma profunda afinidade espiritual com a natureza; surpreendentemente cuidadosos com o bem-estar ambiental, cuja terra era sagrada devido a sua ligação religiosa com os ancestrais. No entanto, o choque físico e cultural inevitável com os invasores logo após a promulgação da Independência americana, conhecida como Guerras Indígenas (1778–1890), exigiu daqueles índios uma adaptação radical, de modo a evitar os canhões do governo contra suas machadinhas. Por conseguinte, os silvícolas foram deslocados até reservas de clima desfavorável, longe das terras originais, contraindo doenças mortais com a intenção de escapar de colonos impiedosos, mencionados no telefilme da HBO: Enterrem Meu Coração na Curva do Rio (2007), baseado no romance homônimo de Dee Brown, o qual Scorsese tentou adaptar em 1973 com Marlon Brando no elenco. A trama televisiva desenvolve a história verídica da lenda viva sioux Touro Sentado (August Schellenberg) ao vencer a batalha de Little Bighorn em 1876 contra o exército federal e participar do programa de Buffalo Bill. Contudo, o ponto fora da curva foi o conterrâneo Dr. Charles Eastman (Adam Beach), formado em medicina após a conversão do pai indígena ao catolicismo, cujo empreendedor e fundador da Boy Scouts of America conseguiu se adaptar ao modo de vida dos brancos e casar-se com a poetisa Elaine Goodale (Anna Paquin).
Esse tipo de massacre étnico, recorrente em todo século XIX, obrigou o congresso norte-americano a adotar políticas favoráveis aos indígenas, compensando suas atividades econômicas, como por exemplo o “Cassino Indígena”. O caso mais emblemático pertence aos Osage a partir de 1870, sendo a única nação indígena a comprar o próprio território por 1,70 dólar por hectare. Ocorre que 7 anos depois em Oklahoma, eles se tornariam a etnia per capita mais rica do mundo após descobrir petróleo em sua reserva, provocando um êxodo de milhares de trabalhadores honestos para lá; alguns oportunistas e outros racistas da comunidade Gray Horse, dirigida pelo ardiloso chefe político William King Hale com a metade da idade do personagem interpretado por Robert De Niro quando acolheu Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) recém-chegado da Primeira Guerra Mundial. Aquele parente-serpente articulou rapidamente o casamento de Ernest com a taciturna Mollie (Lily Gladstone), apesar de o sobrinho ingênuo já ter se apaixonado pela diabética meiga à primeira vista, enquanto membros de sua tribo desapareciam misteriosamente em doses homeopáticas; até se tornar o primeiro grande caso da história do FBI de J. Edgar Hoover, décadas depois, graças à equipe liderada pelo agente Thomas White (Jesse Plemons) que levou a julgamento os “Assassinos da Lua das Flores (2023)”, em exibição nos cinemas a partir de 19 de outubro, e em breve na Apple TV Plus. Lily é descendente de índios Piegan porque cresceu numa reserva Blackfeet até completar onze anos de idade.
Em 1975, nesse sentido, os moradores de uma pequena vila na capital do Camboja, Phnom Penh, foram obrigados a deixar suas casas às pressas por exigência do exército revolucionário do Partido Comunista do Kampuchea que invadiu a região em função da queda do governo do general Lon Nol e a saída das tropas norte-americanas que bombardearam o país. Esses novos serviçais socialistas foram conduzidos à força para trabalhar de sol a sol em lavouras agrícolas coletivizadas, até a inanição, enquanto os futuros órfãos eram doutrinados numa escola especializada em táticas de guerrilha contra os vietnamitas do sul: defensores do capitalismo. O curso de caráter religioso foi baseado no falso deus Angkar Pavedat, referindo-se, na verdade, ao próprio PCK do ditador totalitário Pol Pot, cuja retórica dissimulada do comandante do Khmer Vermelho era similar à de Vladimir Lênin: “paz, terra e pão”. Dessa forma, o holocausto silencioso tinha como objetivo expurgar a liberdade de expressão, os cultos religiosos e os movimentos culturais; principalmente a economia de mercado na busca fratricida da pureza ideológica e da segurança interna. Primeiro, Mataram o Meu Pai (2017), da Netflix, foi dirigido por Angelina Jolie e produzido pelo filho adotivo cambojano, Maddox Jolie-Pitt, cuja belíssima fotografia estetiza a extrema miséria do trabalhador do campo, baseado no livro homônimo da escritora-personagem, Loung Ung, na época aos 5 anos de idade. Sua personagem de olhar singelo, curioso e atento, interpretada por Sareum Srey Moch, compôs o elenco formado apenas por cambojanos, de modo a testemunhar o maior genocídio da história da humanidade: aproximadamente 2,5 milhões de pessoas ou um quarto da população do Camboja em menos de 4 anos.

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