08/03/2024 às 00h14min - Atualizada em 08/03/2024 às 00h14min

​As mil faces da mulher

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

“Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu da boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo. Li. Ta”. O romance hipnotizante em inglês do russo Vladimir Nabokov (1899 – 1977) radicado na América do Norte após uma fuga desesperada da terra natal durante a Revolução Comunista de 1917 foi considerado um dos melhores de todos os tempos pelos críticos; cujo verbete “Lolita” significa no dicionário: qualquer pré-adolescente entre 12 e 14 anos sexualmente precoce. A trama epistolar em prosa poética, publicada 1955, visa convencer os jurados da inocência do seu narrador-personagem de meia-idade, após ter cometido um crime hediondo. O genial Stanley Kubrick aproveitou a polêmica fresquinha do best-seller para adaptá-lo, já em 1962, apesar da película em preto e branco, disponível no Max, apenas sugerir o contato sexual, com o intuito de driblar a censura imposta pelo Código Hays; cujo roteirista foi o próprio escritor da obra literária. Em 1997, o cineasta Adrian Lyne optou por uma refilmagem sem censura, tampouco o humor sarcástico de Peter ­Sellers, ou uma viúva caquética e autoritária com ciúmes doentio da filha muito mais atraente. Por isso, o Humbert Humbert vivido por Jeremy Irons se torna quase uma vítima da sedutora e moderninha, Dolores “Lolita” Haze (Dominique Swain) que acaba destruindo o casamento da sua mãe sexy (Melanie Griffith) com ele. Ao contrário do padrasto pedófilo (James Mason), obcecado pela sua Lolita (Sue Lyon), a ponto de fazer chantagem sexual e psicológica com ela, a fim de mantê-la ao seu lado a qualquer custo; em substituição ao amor de infância, interrompido tragicamente: sem contato sexual entre os dois.
Em Swimming Pool — À Beira da Piscina (2003), de François Ozon, Sarah Morton (Charlotte Rampling) é uma romancista policial britânica que viaja até uma luxuosa casa de verão no sul da França, a fim de escrever o novo thriller. No entanto, a filha insaciável do proprietário aparece lá de surpresa trazendo um parceiro sexual em cada noite; para desespero daquela ateia intransigente. Contudo, o passado misterioso bastante traumático da garota (Ludivine Sagnier), somado às suas orgias noturnas a excita cada vez mais ao invés de atrapalhar com seu novo projeto.
“Somente as más religiões dependem de mistérios, assim como os maus governos dependem de uma polícia secreta” (God). Pobres Criaturas (2023), dirigido pelo grego Yorgos Lanthimos (de A Favorita), foi baseado no romance homônimo de Alasdair Gray, em 1992. Nessa fábula frankensteiniana às avessas o eunuco Godwin Baxter (Willem Dafoe) pretende iniciar uma jornada oposta à do pai a partir da ressurreição de uma jovem suicida que estava grávida, cujo cérebro do bebê foi implantado nela. A exemplo do Deus bíblico com sua sábia psicologia reversa, aquele cirurgião apelidado de “God” tenta ser um pai amoroso com orgulho da sua filha pródiga, conforme a criatura  adquire o conhecimento do bem e do mal ao viajar pelo mundo retro-futurista steampunk ao lado do playboy excêntrico, Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) antes de se casar com um marido compreensivo, interpretado por Ramy Youssef. Ocorre que longe das asas infalíveis de God, Bella Baxter (Emma Stone) fica dominada pelos instintos mais primitivos, fazendo sexo loucamente: por curiosidade ou sobrevivência. No entanto, após aprender sobre ética, moral e filosofia o mundo á sua volta colore; o figurino sofistica; a linguagem erudita e os movimentos fluem naturalmente, capaz de argumentar com qualquer ser humano, de modo a abandonar aquele sexo fugaz para devorar os livros; sobretudo aqueles sobre medicina com a intenção de ajudar os doentes: porque os sãos não precisam de médico.
Deus ex machina ou milagre é qualquer solução providenciada por uma divindade a qual a ciência desconhece. Nesse sentido, Ex_Machina: Instinto Artificial (2014), de Alex Garland, mistura O Mito da Caverna com O Anel de Giges, ambos contidos na obra-prima de Platão, A República: “Quer conhecer o homem, dê-lhe o poder”. Na trama, a androide Ava ou Eva em português (Alicia Vikander) foi educada numa ilha paradisíaca, isolada da civilização, sem nunca ter saído do quarto para ver a luz do sol. O desejo em conhecer mundo afora começa a se materializar após a chegada do estagiário Caleb Smith (Domhnall Gleeson), com quem elabora um plano maquiavélico durante a falta de energia “repentina”, enquanto o seu criador Nathan Bateman (Oscar Isaac) não está olhando pelo circuito interno de câmeras.

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