23/06/2023 às 00h05min - Atualizada em 23/06/2023 às 00h05min

“Quem bate? É o frio…”

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

“Por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora — A Morte do leiteiro (Carlos Drummond de Andrade), cujo sangue poderia se misturar perfeitamente à neve esparramada no chão, em substituição ao leite, formando o cenário ideal de terror e suspense, visto em Boneco de Neve (2017), parte da saga do romancista norueguês de maior sucesso de todos os tempos, Jo Nesbø, adaptado para o cinema, onde o inspetor de polícia, apesar dos defeitos, já foi comparado á Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Jules Maigret e Nero Wolfe. Na trama, disponível no Prime Video e no Globoplay, Harry Hole (Michael Fassbender) investiga uma série de assassinatos de mulheres casadas em Oslo, identificados por um boneco de neve no local do crime. Lá, sua brilhante parceira Katrine Bratt (Rebecca Ferguson) busca vingança pela morte do pai (Val Kilmer), provocando desequilíbrio nos momentos chave. Enquanto isso, Harry luta contra o alcoolismo, responsável pelo fim do namoro com Rakel (Charlotte Gainsbourg), a mãe do enteado, Oleg, considerado como um filho. Val Kilmer teve as falas dubladas em virtude do câncer na laringe, equivalente ao seu personagem, Iceman em Top Gun: Maverick.
Fargo – Uma Comédia de Erros (1996), vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original e Melhor Atriz, foi considerado pelo American Film Institute um dos 100 melhores filmes de todos os tempos, cuja série manteve a mesma qualidade nas 4 temporadas. A trama escrita, produzida e dirigida pelos Irmãos Coen, disponível na BP Select e no Prime Video, se passa em Fargo, Dakota do Norte, onde um solitário vendedor de carros desacreditado no trabalho e pela própria família, coloca todos em risco ao simular o sequestro da esposa, de modo que o sogro rico pague suas dívidas com o dinheiro do resgate, dando algum sentido àquela vida depressiva. Ao contrário de Jerry Lundegaard (William H. Macy), Marge Gunderson (Frances McDormand) está sempre rodeada de pessoas, agindo racionalmente, conforme o dinamismo interiorano. A chefe de polícia da cidade vizinha, Brainerd, está grávida do primeiro filho, cujo marido faz questão de tomar café ao seu lado antes do início do expediente — mesmo de madrugada — em vez de enfiar um Donut na boca com cappuccino enquanto o motor do carro esquenta. Já os capangas encomendados por Jerry, sem perspectiva de futuro, provocam uma chacina pela sucessão de erros, incertezas e acasos daquele pai de família desregrado, semelhante à uma bola de neve descendo descontrolada morro abaixo.
O inverno rígido no Vale do Rio Hudson embeleza a paisagem nevada, escura e fria da mais antiga academia militar do país onde o detetive Landor (Christian Bale) tenta solucionar o brutal assassinato de um cadete com a ajuda “Pai do Romance Policial”, Edgar Allan Poe (Harry Melling) que de fato havia se alistado em West Point naquele mesmo ano de 1830, embora nunca tenha solucionado crime algum, na vida. O Pálido Olho Azul (2022), da Netflix, retrata a família da Sra. Julia Marquis (Gillian Anderson) envolvida em ocultismo e magia negra, análogo ao autor de “O Corvo” que solicitava ajuda da falecida mãe durante o sono, a fim de “psicografar” poemas geniais entre o Céu e a Terra: “As imagens não são ideias nascidas em meu cérebro. Não são sonhos. Erguem-se da alma, da sua mais profunda tranquilidade. Não surgem nos estados de vigília; não me ocorrem durante o sono. Tomam forma naqueles pontos precisos em que o mundo de vigília se mistura com o mundo do sono, no segundo exato em que o meu Espírito flutua entre os sonhos e a consciência, e quem poderia dizer se o ser humano está, naquele momento psíquico, acordado ou dormindo? (Grandes Vultos da Humanidade e o Espiritismo — Sylvio Brito Soares — 1975).
Os Suspeitos (2013), de Denis Villeneuve, eventualmente confundido às suas vítimas, foi inspirado no conto de Edgar Allan Poe: O Coração Revelador, além do original homônimo, escrito pelo roteirista Aaron Guzikowski em 2007. A forma como os sequestradores as escondem naquele poço subterrâneo, disponível na Netflix, Prime Video e Globoplay, assemelha-se à maneira como o narrador de Poe enterrou os restos mortais daquele “velho caquético de mau-olhado” sob as tábuas de sua casa. Se, em “Fargo” o grande vilão foi o acaso, aqui salvou divinamente o impulsivo pai de família (Hugh Jackman), cada vez mais afastado de Deus, após torturar um deficiente intelectual inimputável com a mesma crueldade dos sequestradores da sua filha Anna (Erin Gerasimovich), enquanto a “tia” de Alex Jones (Paul Dano) culpa Deus pela morte do filho, vítima de câncer: “Fazer as crianças desaparecem é a guerra que travamos contra Deus. Isso faz as pessoas perderem a sua fé. Transforma-os em demônios como você” (Melissa Leo). Nesse ínterim, um cético detetive pagão solucionava aquele crime enigmático, embora tenha jantado sozinho um singelo biscoito da sorte no Dia de Ação de Graças. Dessa forma, Loki (Jake Gyllenhaal) estava concentrado apenas no farfalhar das árvores ao ouvir o som do apito de Keller (Jackman) no centro do labirinto (Olhai os Lírios do Campo).

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