A Saga Rocky e a nova versão do diretor

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

 Se Rambo e Ivan Drago (Dolph Lundgren) são frutos da Guerra Fria da era Reagan, Rocky Balboa se confunde com a vida de Sylvester Stallone. O filho de imigrante italiano católico começou fazendo peças eróticas de teatro, vendeu o próprio cachorro e as joias da sua primeira esposa para sobreviver como morador de rua, antes de roteirizar o primeiro episódio da franquia, baseado em Rocky Marciano, campeão dos pesos-pesados entre 1952 e 1956, o único a se aposentar invicto. Porém, a inspiração para o filme original partiu do combate entre Chuck Wepner e Muhammad Ali em março de 1975, cujo hino americano foi cantado por James Brown. O azarão figurava apenas entre os dez primeiros do ranking, aguentou os 15 rounds, derrubou Ali no 9.º, mas foi nocauteado faltando 19 segundos para o fim da luta. Daí surgiu o jargão “go the distance” (ir além do próprio limite), título da trilha sonora da animação, Hércules. Chuck também perdeu para George Foreman após sangrar muito no supercílio, fato típico na carreira que lhe rendeu o apelido de “Bayonne Bleeder". Pouco antes da aposentadoria, em 1976, o pugilista canhoto enfrentou o lutador de Luta Livre, André, O Gigante de 2,24 m e 236 kg, mas foi jogado fora do ringue como na clássica cena de Hulk Hogan em Rocky III. O viciado em cocaína acabou sendo preso, o que serviu de inspiração para o filme Condenação Brutal (1989). Aos 83 anos, o ex-traficante venceu o combate às drogas, o combate mais difícil da sua vida. Em 2011, a sua biografia motivacional virou documentário da ESPN. The Real Rocky foi adaptado para o cinema como Punhos de Sangue (2016), com Liev Schreiber, Elisabeth Moss e Naomi Watts, no Telecine, e The Brawler (2019), com Zach McGowan, Amy Smart e Taryn Manning.
Rocky: Um Lutador (1976) representa a classe trabalhadora do subúrbio da Filadélfia que acorda às 4:00 da manhã, come cinco ovos para aguentar o frio, vai ao açougue socar carne e se envolve com um agiota, na busca desesperada por dinheiro, amparado pelo ex-peso-galo, Mickey Goldmill (Burgess Meredith, o Pinguim da série de TV nos anos 1960) contra o “Tio Sam”, Apollo Creed (Carl Weathers). A tímida namorada Adrian (Talia Shire, irmã de Francis Ford Coppola) é a motivação que o Garanhão Italiano precisa para superar as dificuldades, enquanto Paulie (Burt Young) é um excelente alívio cômico ao seu lado. O namoro começou no Dia de Ação de Graças e a luta foi marcada no Ano Novo de 1976, ano do bicentenário da Independência dos EUA, com participação especial de Joe Frazier. Rocky II — A Revanche (1979) destaca a fé cristã do lutador após a esposa entrar em coma ao dar à luz a um bebê prematuro. Rocky aprende a ler, e suspende a aposentadoria por tempo indeterminado, pois a sua única motivação é lutar. No entanto, o esportista precisa ganhar mais agilidade correndo atrás de galinhas e pedir a benção do padre, horas antes do início da luta. A cena das crianças preenchendo a famosa escadaria simboliza a esperança, a exemplo da música de Roberto Carlos, gravada em 1980. Com o fim da Guerra ao Terror (2008) os EUA vive pela primeira vez uma era de paz sem grandes ameaças externas, desde a sua fundação. Por conseguinte, a nova geração deixou de ser patriota para ofender diariamente o conterrâneo nas redes sociais. Bons tempos fazem pessoas fracas. Por esse motivo, em Rocky III — O Desafio Supremo (1982), o campeão dos pesos-pesados se aburguesou com lutas fáceis, perdendo o título para James "Clubber" Lang (Mr. T). Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria (O Evangelho Segundo o Espiritismo). Após a morte do treinador, Mickey, Rocky aprende a bailar no ringue, doutrinado pelo leal Apollo Creed. Lá no subúrbio de Los Angeles, Rocky cria as mesmas dificuldades do passado, a fim de reconquistar o “Olho do Tigre”.
Rocky IV (1985) representa o espírito da liberdade em contato com a natureza, cortando madeira e fazendo flexão na neve, contra o ser humano artificial e anabólico, produzido em laboratório, fruto do socialismo controlador, em alusão ao fim da União Soviética. A versão do diretor: Rocky Vs. Drago (2021) troca o ufanismo oitentista por um tom mais dramático e realista ao cortar as cenas exageradas, refazer os efeitos sonoros datados, remasterizar as canções, e ainda, acrescentar cenas novas que transmitem união ao invés do ódio mútuo entre as nações, o que contagiou a plateia, ansiosa por mudanças no dia de Natal quando foi realizado o combate. Rocky V (1990) faz uma crítica contumaz ao empresário Don King (Richard Gant), o representante do lado sujo do boxe. O marionete da vez foi vivido pelo ex-campeão mundial Tommy Morrison que derrotou George Foreman em 1993 quando o título estava vago. Morrison morreu de AIDS em 2013. Sage Stallone nasceu no mesmo ano da estreia da franquia para estrear no cinema aos 14 anos, interpretando Robert "Rocky" Balboa Jr. Sage morreu em 2012 de ataque cardíaco com apenas 36 anos devido a uma doença congênita chamada aterosclerose. Após o confronto épico com o pupilo ingrato nas ruas da Filadélfia, Rocky Balboa (2006) abre um restaurante naquela comunidade com a ajuda de Paulie que aprimora o repertório de piadas ácidas, engraçadíssimas, enquanto Adrian não resiste ao câncer fulminante. Quatro anos depois, o empreendedor participa de um combate amistoso contra o atual campeão mundial Mason Dixon (Antonio Tarver) após vencê-lo por nocaute humilhante numa simulação por computador. Aos 60 anos, sem a mesma agilidade de antigamente, Rocky recorre a força e a garra costumeira contra a juventude do seu oponente, auxiliado novamente por Duke (Tony Burton). O último filme da franquia antes de Creed: Nascido para Lutar (2015) tem um roteiro excelente com diálogos afinados e um combate que beira a realidade, incluindo a transmissão moderna da HBO com participação de Mike Tyson na plateia. A saga completa está disponível no Telecine e no Prime Video.