05/05/2022 às 23h08min - Atualizada em 05/05/2022 às 23h08min

​Mãe do início ao fim

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

“No princípio, Deus criou o céu e a terra”. O céu-masculino acima era ativo, leve e claro, opondo-se ao arquétipo feminino da Terra abaixo; pesada, passiva e escura. No Evangelho segundo Darren Aronofsky, após dirigir Noé em 2014, observamos o planeta Terra (Casa), e em sua volta o esverdeado Jardim do Éden. Gaia (Hera), a mãe-terra ou simplesmente Mae! na Netflix, tenta manter a Casa em ordem, pois ainda não foi finalizada, enquanto o marido Deus-Zeus (Javier Bardem) terminava a sua criação. Os três andares da Casa, análogos ao da Arca de Noé, simbolizam o Inferno (porão), o Purgatório (sala e cozinha) e o Paraíso (escritório) onde está guardado a sete chaves o Ovo de Cristal (Fruto Proibido). Em pouco tempo surge o Velho Adão (Ed Harris) moribundo e fumando muito. Em uma crise de tosse, o Poeta bate na costela fértil do decano, onde circula muito sangue. No dia seguinte, Eva-Lilith (Michelle Pfeiffer) entra na Casa bebendo vodca, transa com o velho Adão e ainda quebra o ovo sagrado. Isso faz o dono da Casa ficar furioso e expulsá-la do seu escritório "paradisíaco" para sempre. No início Gaia (Jennifer Lawrence) ficava à vontade de camisola transparente como se estivesse nua, mas agora que Eva adquiriu o conhecimento do bem e do mal, ordena a Gaia que "coloque roupas decentes”. Os seus filhos aparecem, e Caim mata Abel. O Dilúvio é quando a pia se quebra e o Êxodo ocorre quando centenas de pessoas invadem a Casa ao mesmo tempo, transformando aquele lar num pandemônio como se estivessem adorando o Bezerro de Ouro numa terra infrutífera. Gaia torna-se Maria de Nazaré, trazendo no ventre o Menino Jesus. O Messias vem ao mundo e ganha presentes durante o período da Pax Romana, mas em pouco tempo o povo invade o santuário do casal e  mata o bebê-ungido, ao invés do bandido Barrabás, pouco antes do sacrifício da Mãe, motivo para reciclar a humanidade novamente até o fim dos dias. “Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos” (Apocalipse 20).
Janis Martínez (Penélope Cruz) e Ana Manso (Milena Smit) tiveram uma gravidez acidental e criaram sozinhas as filhas Cecília e Anita, ambas nascidas ao mesmo tempo, na mesma maternidade onde as mães solteiras dividiam o mesmo quarto. Arturo (Israel Elejalde), o pai biológico de Cecília, é um renomado arqueólogo forense na busca dos restos mortais do bisavô de Janis e de outras vítimas da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939), aquela que os soviéticos bombardearam os aliados anarquistas, abrindo caminho para o ditador Franco assumir o poder, enquanto o nazifascismo iniciava a Segunda Guerra Mundial. A fotógrafa estava satisfeita com a sua gravidez porque tinha condições financeiras de criar a filha sem a ajuda do pai desnaturado, ao contrário da adolescente Ana, sem dinheiro, muito menos a presença da mãe Teresa (Aitana Sánchez-Gijón) em turnê pelo país, atuando no papel principal da nova peça de teatro. No final, as Mães Paralelas acabam se tornando grandes amigas e integrantes da comunidade das vítimas da Guerra Civil Espanhola.
Durante as férias na Grécia, a professora universitária de meia-idade, Leda Caruso (Olivia Colman), conhece Nina (Dakota Johnson), antes da filha de três anos da jovem mãe desaparecer. Isso faz Leda lembrar do tempo em que largou as filhas pequenas na mão do marido (Peter Sarsgaard), de modo a fugir da responsabilidade. A estreia de Maggie Gyllenhaal na direção de A Filha Perdida não poderia ter sido melhor. O filme da irmã de Jake Gyllenhaal,  esposa de Peter Sarsgaard, equipara-se ao novo trabalho de Almodóvar, ambos na Netflix. 
Ruby Sheridan (Cher), a mãe de  Donna (Meryl Streep), também foi uma mãe ausente em razão da excessiva dedicação à carreira musical. Por esse motivo, em 1979, a filha se isola numa fictícia ilha grega após se formar na mesma turma das suas melhores amigas, Tanya e Rosie. No caminho, a jovem Donna (Lily James) cheia de vida faz sexo com três parceiros diferentes na mesma semana, engravidando de algum deles. Contudo, aos 20 anos, a filha Sophie (Amanda Seyfried) convida em segredo os três supostos pais, Harry (Colin Firth), Sam (Pierce Brosnan) e Bill (Stellan Skarsgard) para o seu casamento na ilha paradisíaca. O elenco feminino da franquia Mamma Mia! está muito mais afinado que o masculino, com destaque a participação especial dos integrantes do ABBA: Benny Andersson e Björn Ulvaeus que transformaram a franquia numa coletânea cover dos maiores sucessos da banda sueca. Lily James que já havia cantado em 2015 no musical da Disney, Cinderela, canta aqui como uma profissional, só perdendo para Cher, obviamente.    
Mãe X Androides é outro filme do subgênero Revolução das Máquinas também na Netflix. Em uma distopia não tão distante, bilhões de empregados robôs se revoltam contra a humanidade. Após um começo eletrizante, o longa de estreia do cineasta Mattson Tomlin, produzido por Matt Reeves, perde fôlego até a metade, focado apenas na intimidade de um jovem casal, ao invés de aprofundar aquele ambiente distópico fascinante. Pelo menos a figura do pai Sam (Algee Smith) é mais valorizada que a dos outros pais mencionados acima, dando ao personagem um tom heroico, finalmente, apesar da mãe Georgia (Chloë Grace Moretz) roubar a cena após superar todos os obstáculos com terríveis dores antes do parto até a Terra Prometida (Coreia do Sul).   
Brian Aldiss por 30 anos tentou convencer Stanley Kubrick a adaptar o seu conto, Superbrinquedos Duram o Verão Todo, mas dois anos após a morte do diretor o longa finalmente  estreava sob o comando de Steven Spielberg, superando o conto, pois se aproxima demais do clássico da Disney. Em  A. I. - Inteligência Artificial na HBO Max, parte do planeta foi inundado pela elevação do nível dos mares. A água (horizontal) representa a natureza material, enquanto o fogo (vertical) representa a jornada de evolução do Espírito Inteligente. Por isso a cruz simboliza a redenção. “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito (de corpo e alma) não pode entrar no reino de Deus”. Na trama, David Swinton (Haley Joel Osment) ganha vida pelas mãos do Demiurgo “o deus menor”, (William Hurt), contudo, apenas a Fada Azul “o Grande Deus” pode lhe dar a centelha divina, necessária para ele se tornar um menino de verdade com livre-arbítrio ou em termos esotéricos, um homem iluminado, caso  se prove corajoso, verdadeiro e altruísta. Convicto de que é um ser humano, o pinóquio cibernético inicia uma jornada heroica após ter sido abandonado pela família por um motivo justo. Na Ilha dos Prazeres, a carrocinha dos humanoides, David encontra um gigolô redimido (Jude Law) que o leva até um oráculo computadorizado (Robin Williams), capaz de indicar a localização exata da fada salvadora que renasce das águas congeladas do planeta 2000 anos depois, semelhante à espada Excalibur que Viviane entregou ao rei Arthur. Numa era em que o menino que queria ser amado pela mãe, Monica, (Frances O'Connor), pôde finalmente passar um dia ao seu lado, antes de partirem juntos até o lugar onde nascem os sonhos.

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