31/03/2022 às 22h58min - Atualizada em 31/03/2022 às 22h58min

Mulheres que marcaram o Velho Oeste

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

No último domingo (27) Ataque dos Cães da Netflix ganhou o Oscar de melhor direção, o único das 12 indicações que recebeu. A diretora Jane Campion que já havia sido indicada em O Piano, foi a terceira mulher na história a receber o prêmio da academia. Além do tapa de Will Smith na cara de Chris Rock, tivemos o primeiro deficiente auditivo (Troy Kotsur) e a primeira mulher negra “querr” (Ariana DeBose) a ganhar a estatueta. A trama autobiográfica foi baseada no livro homônimo de Thomas Savage (1915-2003). O escritor homossexual era humilhado pelo tio, segundo a biografia escrita em 2020 por O. Alan Weltzien. Assim como Savage, os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George Burbank (Jesse Plemons) administravam o rancho dos pais no estado de Montana em 1925. Na verdade, Phil cuidava de todo o trabalho pesado, enquanto George fazia marketing para inglês ver. Ao mesmo tempo, Rose (Kirsten Dunst) sustentava sozinha o próprio restaurante após o falecimento do marido. Isso até a viuva se casar com o abastado almofadinha, cuja intenção nobre era pagar a faculdade do filho Peter (Kodi Smit-McPhee), um homossexual consciente numa época de forte repressão. Ao contrário da homossexualidade enrustida em Phil, que se comportava em público como um macho alpha em oposição a sua sombra, descontando a raiva na sensível Rose, culpada por ser feminina e roubar o irmão e companheiro dele, cujos atores também são casados na vida real. No entanto, a esposa que mal tinha superado a morte do marido anterior não aguentou a pressão intermitente do cunhado selvagem e começou a beber diariamente. Para piorar, seu filho ao perceber o estado depressivo da mãe durante as férias, é afetado pelo Complexo de Édipo, interpretando ao pé da letra o verso do Salmo 22:20 que diz: “Livra-me da espada (divisão, discórdia, conflito), livra minha vida do Ataque dos Cães”, ao invés de seguir o exemplo de Jó que superou as mazelas da vida com paciência, fé e resignação. 
Bravura indômita, indicado a 10 Oscars, foi baseado fielmente no best-seller escrito em prosa de forma magistral por Charles Portis em 1968. A primeira versão cinematográfica estrelada por John Wayne apenas um ano depois, descreve com detalhes a chegada de Mattie Ross (Kim Darby) a pensão, antes de conhecer o Texas Ranger La Boeuf (Glen Campbell) e o justiceiro caolho Rooster (John Wayne, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante), enquanto a versão dos Irmãos Coen com 30 minutos a menos, disponível no Telecine,  destaca o triste final idêntico ao livro e ao figurino elegante da década de 1880. Hailee Steinfeld aos 13 anos foi indicada ao Oscar ao lado de Jeff Bridges, ofuscando Matt Damon. 
Outro personagem icônico que marcou a carreira de Jane Fonda foi Cat Ballou. Na trama, a futura professora tenta impedir que o rancho do pai em Wolf City seja tomado por uma grande corporação com intenção de formar um monopólio. Para isso, a jovem puritana revoltada contrata o famoso pistoleiro Kid Shelleen (Lee Marvin vencedor do Oscar) que precisa beber para calibrar a pontaria. A versão em português é dublada por Garcia Neto, o mesmo das narrações do desenho do Pica-Pau, do Dooley e do Zeca Urubu. A voz inconfundível do pai de Garcia Júnior (dublador original do He-Man) é um charme a mais ao longa disponível na Claro Video. Dívida de Sangue (1965) conta ainda com a narração musicalizada de Nat King Cole, pouco antes de falecer aos 45 anos.
Após MASH o aclamado diretor  Robert Altman, ainda sob o impacto da desilusão provocada pela Guerra do Vietnã, cria um mundo feito para parecer deliberadamente irreal. Ao perambular pelo inóspito Velho Oeste, durante o Inverno de 1902, o jogador de pôquer John McCabe (Warren Beatty) chega à cidadezinha de Presbyterian Church e decide abrir um prostíbulo. A paisagem nevada ganha beleza divina, unida às canções compostas por Leonard Cohen. O judeu falecido em 2016 é autor de Hallelujah, regravada mais de 300 vezes em diversas línguas. A palavra hebraica é um termo composto por hallelu, que significa “louvar com júbilo” e “yah”, a forma abreviada do indizível nome de D’us. Portanto, “halleluyah” é um canto de louvor ao Eterno, pois cada verso termina com a palavra que deu origem a canção, fomentada quatro vezes no refrão, sinalizando eternidade. A líder das cafetinas é Constance Miller (Julie Christie, vencedora do Oscar) que domina rapidamente aquele ambiente enfumaçado, formado por gente de conversa resmungada “Onde os Homens São Homens”. Uma mulher de fibra que faz o negócio prosperar em pouco tempo investindo dinheiro do próprio bolso, o que acaba atraindo especuladores interessados naquele solo rico em minério. Ocorre que o proprietário se recusa a vendê-lo, mesmo ameaçado de morte: “Quebrar estes cartéis e estes monopólios é a chave do problema”. “Alguém precisa proteger o micro e pequeno empresário das grandes corporações, e eu sou essa pessoa”. 
Em 1881, uma mulher misteriosa de olhar ferino que lembra “O Estranho Sem Nome”, chega à cidade de Redemption, no Velho Oeste, com sede de vingança no coração pela morte do pai. A cidade é governada pelo fora-da-lei John Herod (Gene Hackman) que promove uma competição anual de duelo mortal com dezenas de participantes inscritos. A protagonista de pele bronzeada mais linda do que nunca, vivida por Sharon Stone, desafia aqueles pistoleiros machistas, vestida de cowboy, arma no coldre e chapéu preto. Três anos depois de atuar em Os Imperdoáveis, Hackman faz novamente um xerife impiedoso, porém, maquiavélico, de modo a agradar o público nerd. Leonardo DiCaprio que ainda engatinhava no cinema, antes de Titanic, interpreta Kid Herod, o filho convencido e meigo, sem a mesma prepotência do pai. Ao contrário de Russell Crowe que estreava no cinema americano no primeiro papel de grande visibilidade da sua carreira, graças a Sharon Stone que atrasou as filmagens para tê-lo no elenco. O neozelandês interpreta um ex-criminoso arrependido, ligado ao bando de Herod ou Herodes, que virou pastor evangélico. Uma divertidíssima homenagem ao western spaghetti com deliciosos toques de terror gore exagerado, ao estilo da trilogia The Evil Dead que consagrou Sam Raimi antes do diretor invadir o Multiverso da Loucura da Marvel. Rápida e Mortal, disponível na Netflix, é a tradução literal da expressão contida na Segunda Epístola de Timóteo (2 Timóteo 4:1), descrevendo o julgamento final: “Na presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos”(The Quick and the Dead).

Ataque dos Cães (2021) - Nota: 4,0 
Bravura indômita (2010) - Nota: 4,0 
Dívida de Sangue (1965) - Nota: 4,0 
Onde os Homens São Homens (1971) - Nota: 4,5 
Rápida e Mortal (1995) - Nota: 4,0 

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