17/02/2022 às 23h18min - Atualizada em 17/02/2022 às 23h18min

A relatividade do tempo no cinema

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

O cinema já “comprovou” inúmeras vezes que a Teoria da Relatividade de Einstein está correta, principalmente após a exibição do filme de Christopher Nolan, Interestelar. O mais difícil, porém, foi retratar nas telonas o tempo de maneira convencional e realista em aproximadamente duas horas. Essa missão coube ao diretor texano Richard Linklater em sua  brilhante trilogia Jesse & Celine, composta por Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013) que acompanha em tempo real o casal vivido por Ethan Hawke e Julie Delpy por três décadas. Linklater investiu  em outro projeto mais ambicioso que levou o Globo de Ouro e muitos outros prêmios. Segundo o cineasta, Boyhood — Da Infância à Juventude, no Prime Video, foi rodado em apenas 39 dias, cerca de três ou quatro dias de filmagens por ano durante 12 anos, analisando o comportamento do garoto Mason (Ellar Coltrane) dos 5 aos 18 anos, da escola até a sua admissão na faculdade. Um cotidiano despretensioso sobre uma família ocidental comum de pais separados, vividos por Patricia Arquette, Ethan Hawke e a irmã de Mason, filha do diretor na vida real, Lorelei Linklater. Entre 2002 e 2014 acompanhamos de maneira sutil as transformações sociopolíticas dos governos Bush e Obama e na cultura pop com citações de Star Wars, Dragon Ball Z e Harry Potter, envolto na trilha sonora de Coldplay, Bob Dylan e Lady Gaga. 
Em O Curioso Caso de Benjamin Button, na HBO Max, o tempo funciona de maneira anti-horária, da esquerda para direita, baseado no conto homônimo do mesmo autor de O Grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald (1896 – 1940), publicado em 1922. No conto, Benjamin nasceu falando e com o corpo e a inteligência de um senhor de 70 anos de 1 metro e 73 de altura, barba e cabelos brancos. Por isso o pai Roger não o abandonou num asilo de velhinhos, apesar de sentir imensa vergonha do filho. Vinte anos mais tarde, já com a aparência de 50 anos, Benjamin se casa com Hildegarde Moncrief, pois a donzela preferia homens mais velhos. O casamento dura até a garota envelhecer aos 50 anos aproximadamente, antes do marido se alistar para a Guerra Hispano-Americana em 1898. O filho e o neto do pai de idade inversamente cronológica tornam-se amigos enquanto aparentam a mesma idade. The Curious Case of Benjamin Button and Other Jazz Age Stories se passa em Baltimore entre a Guerra Civil Americana e o fim da Primeira Guerra Mundial, enquanto o filme dirigido por David Fincher começa em Nova Orleans no fim da Primeira Guerra e vai até 2005 após a passagem do Furacão Katrina por lá. O mesmo roteirista de Forrest Gump retrata nas duas obras cinematográficas os acontecimentos mais importantes da história americana do século XX, cujo símbolo era a peninha e o beija-flor. Forrest Gump e Benjamim Button eram dois garotos tímidos que amavam a vida marinha, por isso os melhores amigos eram marujos. Ambos tinham uma alma gêmea complicada e instável que conheceram na infância, mas se juntaram somente 40 anos depois, na idade da loba.
Na graphic novel Castelo de Areia de Pierre Oscar Levy e Frederik Peeters, adaptado para o cinema em 2021 por M. Night Shyamalan, o tempo funciona assustadoramente mais rápido. Naquela bela praia isolada, meia hora equivale a um ano, portanto, um dia pode significar uma vida inteira para alguns. A trama genial aborda pontos de vista distintos dos banhistas desesperados ao perceberem que estão envelhecendo mais rápido do que o normal. No paraíso às avessas, os idosos desencarnam repentinamente e as crianças chegam à puberdade de uma hora para outra. Ocorre que o diretor tomou algumas decisões criativas, criando uma corporação de vilões extremamente complexa, sem dar a devida importância ao maior deles, o Tempo, senhor da razão. O cineasta não resistiu aos maneirismos corriqueiros que destruíram seus projetos anteriores, além de preencher o enredo brilhante com personagens irritadiços, num ambiente de terror e suspense muito bem filmado, ao invés de aprofundar o psicológico de cada um deles, liderados por Gael García Bernal, Eliza Scanlen e Thomasin McKenzie. Para piorar, o diretor inventou um final ridículo que deturpa a proposta filosófica da HQ onde a família permanece acima do orgulho e do egoísmo individual.
O tempo retroage ao passado por causa de um grande amor, mas volta para o futuro rapidamente a fim de impedir a proliferação de um vírus desenvolvido em laboratório por eco-terroristas que dizimaram quase toda a população mundial. Em 1972 o jovem dramaturgo Richard Collier (Christopher Reeve) participa de um evento num hotel quando é surpreendido por uma senhora que lhe devolve um relógio de bolso seguido da enigmática e desconexa mensagem "Volte para mim". O retrato muito mais jovem daquela idosa permanece fixado na parede do hotel desde 1912 quando Collier se hospedou lá pela primeira vez. Se o estudante nasceu na década de 1940, o que fazia lá em 1912? Determinado a solucionar esse intrigante mistério, o viajante volta no tempo a base de auto-hipnose, obcecado em encontrar a atriz Elise Mckenna (Jane Seymour) que não se surpreende ao vê-lo novamente. Um paradoxo temporal romântico interessantíssimo, com destaque ao figurino da época acompanhado da belíssima sinfonia Rapsódia sobre um Tema de Paganini, composta por Sergei Rachmaninoff em 1934. Em Algum Lugar do Passado foi baseado no romance de Richard Matheson, publicado em 1975. 
Em 2035 a população foi dizimada por um vírus e os poucos sobreviventes encontram-se no subterrâneo, pois, a superfície pertence aos animais. Em, Os 12 Macacos, o criminoso James Cole (Bruce Willis) tem a missão de retornar a década de 1990 a fim de descobrir a origem do vírus, mas é mandado duas vezes ao ano errado e acaba sendo internado num hospício onde conhece a psicóloga Kathryn Railly (Madeleine Stowe) e um paciente maluco, interpretado por Brad Pitt, que acaba ajudando o presidiário, já que os agentes que o enviaram ao passado pretendem manter o caos destruindo a economia ao invés de acabar com a pandemia. Em, Brazil — O Filme (1985), primeira parte dessa trilogia distópica satírica Orwelliana, complementada pelos, Os 12 Macacos e O Teorema Zero, o diretor Terry Gilliam cria uma sociedade burocrática “bem intencionada” que está mergulhada em fios intermináveis, controlando a informação que deve chegar a população, a exemplo do Ministério da Verdade criado por George Orwell, as Big Techs atuais. A melhor cena do longa de 1985 é a do eletricista free-lancer Harry Tuttle (Robert De Niro) que tenta escapar daquela burocracia ao ajudar o funcionário público Sam Lowry (Jonathan Pryce) a inocentar sua amada (Kim Greist), mas acaba engolido por uma montanha de papel. O título foi inspirado na cidade industrial cinza e metálica do País de Gales, Port Talbot, onde até a praia é coberta de poeira, em contraste com o pôr do sol ao som de Aquarela do Brasil que o transporta mentalmente a um lugar despoluído. Esse mesmo cenário virtual ao lado da bela garota de programa Bainsley (Mélanie Thierry) tornou-se o refúgio ideal do programador excêntrico à beira de um ataque de nervos, Qohen Leth (Christoph Waltz). Em O Teorema Zero (2013), Qohen mora sozinho num galpão que pertenceu à igreja na época da Santa Inquisição, substituído por câmeras de vigilância do novo governo totalitário em vez do governo eclesiástico ligado ao Estado.

Boyhood — Da Infância à Juventude (2014) - Nota: 4,0 
O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) - Nota: 4,0 
Tempo (2021) -  Nota: 3,0 
Em Algum Lugar do Passado (1980) - Nota: 4,0 
Os 12 Macacos (1995) - Nota: 4,5 

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