21/10/2022 às 00h11min - Atualizada em 21/10/2022 às 00h11min

O Cinema Brucutu Moderno

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Para Hollywood alguns atores são praticamente intercambiáveis: John Cena com Dave Bautista, Arnold Schwarzenegger com Sylvester Stallone, Vin Diesel com The Rock, Mark Wahlberg com Matt Damon, Gerard Butler com Clive Owen. Homens de grande porte, musculosos, que matam vários inimigos em rápida sucessão, são durões, fazem cara feia e tem “habilidades” explicadas por um rápido diálogo no roteiro, como “ele é um ex-forças especiais”, “ele fez três turnês no Iraque”, “participou da guerra civil” ou "foi imbuído com poder de semideus por quatro magos". John Wayne, Vin Diesel e The Rock têm outra coisa em comum. São personagens mesmo fora das telas. Marion Robert Morrison, Mark Sinclair Vincent e Dwayne Johnson cultivaram suas imagens de “Brucutu” com muito cuidado, atendendo a uma demanda que existe até hoje pelo “homem silencioso e durão” no cinema. Claro, as estaturas e horas na academia variam, afinal, quais são os seres humanos que treinam de 3 a 5  horas por dia na academia e fazem 7 refeições diárias para conquistar o visual do The Rock?  Pensando bem, o tanquinho e bíceps são obrigatórios para praticamente qualquer homem que queira fazer o papel de um super herói no cinema. Em Adão Negro (2022), “quase 5.000 anos depois de ter sido agraciado com os poderes onipotentes dos deuses – e preso com a mesma rapidez – Adão Negro (Johnson) é libertado de sua tumba terrena, pronto para liberar sua forma única de justiça no mundo moderno”. Adão Negro “promete mudar a hierarquia de poder dentro do Universo Estendido da DC Comics” e cumpre o que promete. É um personagem que atravessa paredes ao invés de abrir portas, tortura e mata sem frescura, ameaça e destrói o que tiver pela frente. Por algumas horas, é possível desligar o cérebro pensante, comprar a maior pipoca que tiver disponível e assistir à destruição em massa de helicópteros, motos voadoras, armas, pessoas, estátuas, prédios, aviões e carros, tentar rir de piadas sem graça e tentar não se distrair com o fato que Adão Negro praticamente nunca pisa no chão. Pierce Brosnan rouba a cena como Senhor Destino, e o filme é inteligente em usar seu elmo para permitir a transição para um dublê em computação gráfica para suas cenas de ação. Mais um monte de coisa explode ou é destruída e a DC finalmente inova: ao invés de um raio azul disparar para o céu no ato final, dessa vez o raio é vermelho. Depois é só esperar a cena pós créditos para bater palmas e passar pano para o resto do filme que acabou de assistir no cinema. Um filme do Senhor Destino teria sido mais interessante, talvez a DC também decida trabalhar com multiverso e consiga fazer outro filme desse personagem. Agora só resta torcer para que, com a história de origem fora do caminho, o próximo filme seja melhor. 
O auge do cinema brucutu talvez tenha sido O Predador (1987), disponível no Star Plus, onde o major Alan "Dutch" Schaefer (Arnold Schwarzenegger) lidera uma equipe de resgate em uma selva da América Central, para tentar encontrar um ministro estrangeiro e funcionários do governo que saíram da rota e se perderam. O exército acredita que eles estejam nas mãos de guerrilheiros, mas o que eles não imaginam é que a floresta esconde uma ameaça mortal, um ser de outro planeta, fortemente armado, que sente enorme prazer em matar. A direção faz questão de satirizar o excesso de testosterona e violência, chegando a derrubar uma floresta com metralhadoras numa cena memorável. 
Mas o clichê do brucutu em algum momento tentou ser mais politicamente correto e se estendeu para o âmbito feminino, temos diversos exemplos de “mulher brucutu”, embora as regras sejam mais brandas. Natalie Portman recebeu seus braços musculosos graças à computação gráfica em “Thor Amor e Trovão”, mas ainda existem atrizes que treinam duro para em tela chutarem um bandido de 150 kilos para o outro lado de uma sala de maneira convincente. Temos as "não-atrizes" com experiência em MMA como Gina Carano, que tem uma filmografia invejável, mas temos também as "intercambiáveis" que treinam por meses para um papel de ação, como Mary Elizabeth Winstead e Charlize Theron, Scarlett Johansson e Gal Gadot, Kate Beckinsale e Angelina Jolie. Kate Beckinsale disse que para treinar para seu papel de Selina em "Anjos da Noite" sua primeira tarefa foi "aprender a não correr como uma menina." Jolie teve um insight parecido durante seu treinamento para o papel de Lara Croft em Tomb Raider.
Em O Predador: A Caçada (2022), o prelúdio do predador original, disponível no Star Plus, o foco muda de um esquadrão de elite para uma jovem guerreira Comanche que tenta proteger o seu povo de um predador alienígena altamente evoluído que caça humanos por esporte. Ela luta contra a natureza, colonizadores perigosos e essa criatura misteriosa a fim de manter a sua tribo segura. Ela faz isso saltando dois metros no ar, arrancando um homem de um cavalo com as coxas em volta do pescoço, e ainda cai atirando duas flechas certeiras. É o auge do brucutu, mas sem a força física, o treino, super poderes ou magos que possam imbuir o corpo com poderes de semideus. Ela consegue simplesmente porque o roteiro disse que consegue. 
Por outro lado, Mary Elizabeth Winstead usou seu treino em armas e artes marciais que aprendeu em Projeto Gemini e Aves de Rapina para poder fazer a maioria de suas próprias cenas de ação em Kate (2021), um filme Neon Noir que foi vendido como o John Wick feminino, já que David Leitch, o criador da franquia com Keanu Reeves, é produtor-executivo do longa da Netflix. Meticulosa e sobrenaturalmente habilidosa, Kate (Mary Elizabeth Winstead) é uma assassina perfeita que encontra-se no auge de sua carreira. Mas quando uma operação para matar um membro da Yakuza não ocorre do jeito esperado e Kate é envenenada, ela tem apenas 24 horas para se vingar dos seus inimigos. Conforme seu corpo se deteriora rapidamente, a assassina forma um vínculo improvável com Ani (Miku Patricia Martineau), a filha adolescente de uma de suas vítimas anteriores. Uma caçada pelas ruas de Tóquio de noite, com cenas de ação competentes e memoráveis, Kate não chamou muito a atenção quando foi lançadopor visitar a maioria dos lugares comuns dos gêneros noir e de ação. 
É bom lembrar ao assistir esses filmes que clichês são a espinha dorsal do cinema: a pessoa em busca de vingança, infidelidade, a femme fatale, a garota popular, o policial com um segredo… dependemos do lugar comum para poder nos identificarmos rapidamente com personagens com os quais vamos conviver por somente algumas horas. O cinema brucutu não morreu, está mais inclusivo do que nunca.
Colaboração: James Salinas, roteirista dos filmes `SP: Crônicas de uma cidade real”, “Tração”, “Máscaras”,  “Amor, confuso amor”, e “Vagabundos Enrascados”, Diretor dos documentários “Vira-latas” e “Diário de uma metrópole”. Instagram: @james_salinas

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