25/04/2024 às 21h30min - Atualizada em 25/04/2024 às 21h30min

​A preocupação de quem não quer ser atropelado pela Nova Raposo

Em momento de urgência sanitária e climática, é necessário reverter o modelo rodoviarista e priorizar animais e comunidades vulneráveis. Os desafios de saúde e as estratégias para viver bem mudam, de forma que algumas situações perdem relevância, enquanto outras emergem ou se intensificam. Uma tendência verificada nas últimas décadas é a ocorrência crescente de doenças e mortes em humanos e outras espécies, atribuídas à poluição e às altas temperaturas. Isso significa que a prevenção de agravos à saúde exige cada vez mais a redução da poluição e das altas temperaturas, o que só é possível ao agir sobre suas causas. A vegetação e o trânsito de veículos têm papel decisivo e oposto entre si, sendo necessário ampliar as áreas de vegetação e investir no transporte público e ativo, para reverter a priorização que o modelo rodoviarista tem dado ao asfaltamento do solo e à mobilidade em automóveis particulares. Portanto, é absurdo — além de cínico — propor um projeto como o Nova Raposo Tavares, alegando melhorias para a população local. Os moradores de bairros próximos da rodovia Raposo Tavares foram pegos de surpresa por uma notícia de jornal que mostra quão avançado está o projeto. A discordância da proposta é marcada, assim como a desconfiança diante da indisposição do governo para construir participativamente uma alternativa de mobilidade para a região. Se os moradores locais manifestam o interesse e exigem o direito de se envolver na elaboração do projeto, o que se espera de um governante a serviço da população é que identifique as falhas de divulgação e se prontifique ao diálogo. Mas não é isso o que está acontecendo e a pressa por continuar só aumenta o receio. Basta um mínimo de consideração para entender a preocupação de quem não quer ser atropelado pela Nova Raposo Tavares. Vários coletivos organizados têm se mobilizado para cuidar dos fragmentos de vegetação que mitigam as altas temperaturas e a poluição aérea, acústica e visual causada pela Raposo Tavares, uma via urbana que precisa adequações para funcionar melhor como avenida, não como uma rodovia cortando bairros da cidade. Esses fragmentos não são entes inertes que servem de escudo — eles são coletivos multiespécies (grupos compostos por viventes de várias espécies), também suscetíveis aos efeitos nocivos da Raposo Tavares. Quanto menores são os fragmentos, a vulnerabilidade tende a ser maior, por isso é tão importante ligar os fragmentos através de corredores verdes, algo que vem sendo trabalhado por movimentos comunitários da região. Entretanto, o projeto Nova Raposo Tavares vem a toda velocidade na contramão, querendo deslocar forçadamente quem vive mais próximo da via. Se for implantado, alguns animais serão obrigados a migrar em massa para as residências circundantes, podendo provocar surtos zoonóticos, além de agressões causadas e sofridas por eles. Outros animais não conseguirão fugir e perecerão junto a árvores e comunidades de microrganismos que compõem o solo. Com o solo asfaltado, perde-se permeabilidade e pioram as enchentes, já problemáticas nas comunidades vulnerabilizadas. As redes de apoio coletivo tecidas a partir do cuidado dos fragmentos verdes serão desestruturadas. Tudo isso para encarecer a mobilidade, pavimentar o caminho a um engarrafamento maior daqui a poucos anos, agravar a insalubridade e, claro, enriquecer uns poucos bolsos privados. Enfim, nada novo no projeto Nova Raposo Tavares.
*Oswaldo Santos Baquero,professor e coordenador da Rede de Saúde Multiespécie (Rede SAME) da Faculdade de Medicina Veterinária da USP. Integrante do “Cuidar do Viveiro II”, um dos mais de 70 grupos integrantes do movimento Nova Raposo, Não!

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