16/11/2023 às 23h23min - Atualizada em 16/11/2023 às 23h23min

​As obras de arte dos vereadores

Posso imaginar a facilidade dos leitores ao ler a Gazeta de Pinheiros e os jornais do Grupo 1, para decifrar o que está por trás de cada lei aprovada na Câmara Municipal, e o que esta significa à real necessidade da cidade. Um bom exemplo de antagonismo urbanístico é a insana verticalização de Pinheiros, com a Revisão da Lei de Zoneamento, recentemente publicada.
Sabemos que nosso bairro nos oferece o conforto de se viver bem, dentro da bagunça geral de São Paulo. Temos parques, avenidas arborizadas, linhas de metrô, shoppings aos vários gostos, casas boas, além do “Beco do Batman”, “Predinhos da Hípica”, muitas vilas até a  Madalena. Toda esta qualidade urbana ainda fica emoldurada, pelas mais badaladas habitações horizontais e verticais, repletas de jardins verdes “tombados”  como Z1.
O bairro de Pinheiros não pleiteia tombamento, ainda que sua qualidade urbana esteja se  desintegrando. Não era este o padrão urbanístico projetado à configuração ambiental  de crescimento da cidade, no primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de 1972, PDDI do prefeito Figueiredo Ferraz.
Hoje, após meio século, vê-se outra “integração” de forma clara e conteúdo escuro, entre o poder político público e o poder privado, sob intermediação da própria Câmara, com  “representantes” do povo, a sociedade. 
Plano de 1972 chega a 2023 desintegrando a paisagem urbana, com obras  potencializando edifícios que impermeabilizam 100% o solo, mas são vendidos em belos estandes à bela vista da Z1.
Como diz o professor de urbanismo Celso de Melo Franco: “Não há mais necessidade de planejamento urbano, a especulação imobiliária conseguiu”. Agora o plano estratégico é saber onde será a outra  estação de metrô para voltar ao passado, e reproduzir outros “Edifício Martinelli” e “Ruas Líberos Badarós”.
Hoje há retrocesso urbanístico. Vejam as novas obras nas Ruas Alves Guimarães, Joaquim Antunes e Pinheiros. Feche os olhos ao passar pela Estação Fradique Coutinho, obra pública em parceria com a iniciativa privada, em nesga desapropriada, obra sem recuo e inócua floreira reduzindo o largo passeio em sua terça parte .  
A lógica do crescimento da cidade baseada na substituição de construções, tornou-se ilógica, algo igual às cidades praianas, onde poucos olham o pôr do sol no horizonte do mar e muitos esperam sua brisa.
O edifício vertical, há dois séculos, veio pra resolver a cidade, mas o poder político o usa como meio e não ao fim original.  Lembro que São Paulo veio a ser a primeira grande cidade pós era industrial capitalista. Diante da dificuldade de sabermos como a cidade deveria ter crescido, por analogia, podemos lembrar os desenhos de quadras urbanas de Prestes Maia, onde a população estaria corretamente distribuída em edifícios horizontalizados e baixos, densidade e áreas verdes corretas, entre os rios Tietê e Pinheiros.
Basta caminharmos entre os “Predinhos da Hípica”. Também por analogia, basta vermos os enormes recuos e áreas verdes do edifício “Torre 2000“, mesmo com arquitetura fria, não foi decorado com elementos supérfluos, como vemos por aqui. Estes exemplos serão sempre valorizados, pois são sustentáveis social e culturalmente.
As Zonas ‘Zs’ demarcadas no Plano Diretor Integrado de 72 eram gráficos representativos de leitura do existente, que guardavam características de usos, a exemplo de habitacionais horizontais ou verticais; interesse social; mistos com comércios e serviços; industriais; vazios urbanos; verdes e outras situações reais. O objetivo eram suas corretas melhorias voltadas à integração da cidade a ser organizada em núcleos sustentáveis de bairros. 
Exoneramos os vereadores! Cidade não é ‘isso’ que vemos.

*Nadir Mezerani é arquiteto, urbanista e diretor da Gazeta de Pinheiros

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