26/01/2023 às 22h44min - Atualizada em 26/01/2023 às 22h44min

Do Oscar ao Framboesa de Ouro

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Os contos de fadas foram baseados na tradição popular de modo a simplificar os mitos, cuja camada superficial pode parecer inconsistente, pois a prioridade são as outras camadas mais profundas e filosóficas. Em contrapartida, o novo live-action da Disney: Pinóquio (2022), transforma a animação de 1940 numa história realista, contemporânea e particular onde mentir virou a solução para os problemas do herói, assim como fama e fortuna encontram-se acima do ensino fundamental. Além disso, as lições clássicas daquela animação foram deturpadas ou corrompidas, a fim de não se levar a sério.
O criador do Pinóquio nasceu em Florença e foi voluntário na Guerra da Independência Italiana, lutando pela unificação do país. Carlo Lorenzini (1826 – 1890) sob o pseudônimo de Carlo Collodi começou a escrever “Storia di un burattino” antes de virar a saga: “Le avventure di Pinocchio”, publicado semanalmente no seu “Il Giornale dei Bambini” em 1880, o primeiro jornal italiano especializado para crianças. Em um dos capítulos, Pinóquio acaba morrendo enforcado como punição às suas travessuras, mas o protesto dos leitores acabou convencendo o escritor a alterar esse desfecho macabro. Em 1972, estreou na Rai italiana a minissérie com 6 capítulos: Pinóquio e Suas Aventuras, considerada a mais fiel adaptação já feita para a TV, cuja Fada Madrinha foi a musa do cinema italiano, Gina Lollobrigida, que faleceu no dia 16 de janeiro aos 95 anos; somente até a atriz renascer de corpo e alma, da água e do Espírito, a exemplo da sua personagem encantada. Roberto Benigni em 2019 estreou no cinema uma versão resumida dessa minissérie onde “Pinocchio” vira um jumento por completo, antes de ser engolido pelo peixe-cão em vez da baleia monstra da Disney. O Prometeu Moderno não morre ao tentar resgatar Gepeto (Benigni), em vez disso, ele sobrevive e se torna um menino de verdade tão somente após compreender o valor da família, do estudo e do trabalho num mundo onde o dinheiro não cresce em árvore. O artesão Gepeto simboliza o Demiurgo de Platão, cuja co-criação adâmica na versão animada da Disney é fruto de um desejo sincero à Estrela D'alva, ou melhor, à divina Fada Azul que concede a Pinóquio o livre-arbítrio e não o abandona na hora mais escura. O boneco feito de pinho nasce simples e ignorante, dominado pelos instintos animalescos e interesses hedonistas, ignorando a todo momento os conselhos da sua consciência, o Grilo Falante, ao escolher sempre a porta larga ao invés da porta estreita. Isso até o fantoche se arrepender, ser castigado e reparar os erros após resgatar o pai de dentro da baleia, acomodado nas águas da matéria, cujo fogo purificador a fez espirrar, formando uma cruz: “As paixões são como um cavalo que é útil quando governado e perigoso quando governa. Reconhecei, pois, que uma paixão se torna perniciosa no momento em que a deixais de governar, e quando resulta num prejuízo qualquer para vós ou para outro.”(O Livro dos Espíritos). “Não queirais entesourar para vós tesouros na Terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões os desenterram e roubam. Mas entesourai para vós tesouros no céu, onde não os consomem a ferrugem nem a traça, e onde os ladrões não o desenterram nem roubam. Porque onde está o tesouro, aí está também o teu coração” (Mateus 6:19-21). Pinóquio de Guillermo del Toro (2022) levou 15 anos para ser finalizado por falta de interesse dos estúdios em financiar animações em stop-motion. O longa da Netflix parece estar no mesmo universo de “O Labirinto do Fauno” ao substituir o ditador Francisco Franco por Benito Mussolini, a primeira adaptação com toques de terror sombrio, característica marcante do diretor mexicano em todas as suas obras. Na trama, o Mestre Gepeto (David Bradley) é um escultor amargurado que se entregou à bebida após a morte do único filho, Carlo. Contudo, o tronco da árvore junto ao túmulo ganha vida após a interferência dos espíritos da floresta, liderados pela fada de oito asas. “A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem”. O coração de Pinóquio era o lar do grilo-poeta (Ewan McGregor), de quem foi o seu guia até o fim. Assim como Frankenstein, Pinóquio sonhava em ser reconhecido como filho pelo seu co-criador, ainda que não se tornasse um menino de verdade; além de ser aceito naquela comunidade cristã onde fiéis idolatram imagens esculpidas, ferindo os dois primeiros mandamentos mosaicos. Para isso, o boneco de madeira cheio de vida vai trabalhar num parque de diversões, a fim de quitar as dívidas do pai com o Conde Volpe (Christoph Waltz), mas acaba se alistando posteriormente num projeto de elite doutrinador, análogo ao do genocida Pol Pot, no Camboja, visto no filme dirigido por Angelina Jolie, Primeiro Mataram Meu Pai, e no longa-metragem de Taika Waititi, Jojo Rabbit. Felizmente, o sacrifício hercúleo desse Pinóquio, inspirado em Jonas e a Baleia, foi recompensado com a vida eterna, afinal, “é morrendo que se nasce para a vida eterna…” 
A primeira Cinderela era uma escrava egípcia que viveu no século I a.C., cujas sandálias vermelhas foram entregues de bandeja por um falcão sagrado ao Faraó com quem Rodópis se casou, enquanto a segunda, era uma talentosa ceramista da dinastia Tang, cujo peixe-dourado com poderes mágicos encontrou um guerreiro nobre com quem Ye Xian se casou. No entanto, Walt Disney acabou optando em 1950 pela versão de Charles Perrault, baseada do conto napolitano: “La Gatta Cenerentola” de Giambattista Basile, incluído na coleção póstuma: “Lo Cunto de Li Cunti” (1634 – 1636). Dessa forma, a Gata Borralheira estrelada por Lily James, renasce das cinzas em 2015, auxiliada pelos espíritos da natureza, liderados pela fada madrinha (Helena Bonham Carter) disfarçada de mendiga a quem Cinderela ofereceu uma sopa antes da fada revelar a sua verdadeira identidade, cujo ato de caridade lembrou a cena inicial em A Bela e a Fera. A futura princesa nunca perdeu a esperança, pois acreditava fielmente que a ordem iria se estabelecer em meio ao caos, por mais que a beleza estivesse submetida aos interesses de um sistema econômico impuro e usurpador, movido pelo lucro. Na versão dos Irmãos Grimm, as filhas materialistas da madrasta ficam cegas dos dois olhos após enganarem o príncipe, cortando um dos dedos do pé e o calcanhar, a fim de calçar o sapatinho dourado. Assim como os passarinhos elementais da Disney surgiram a partir da árvore citada no conto a qual fazia sombra ao túmulo da falecida mãe de Ella (Lily James), cujo espírito auxiliou-lhe na conclusão das tarefas mais difíceis, antes de ir ao baile. Um mundo mágico onde tudo tem vida e colabora com quem trabalha em função de virtudes, valores e sabedoria.

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