23/09/2022 às 00h21min - Atualizada em 23/09/2022 às 00h21min

Família, Fé e Sentido na Vida

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

O mestre da Nouvelle Vague (Nova Onda) liderou a sua geração mimada em Maio de 68 quando era “proibido proibir”, e aos 91 anos, em plena forma, decidiu morrer dormindo, tranquilamente, numa clínica suíça especializada em eutanásia onde o suicídio assistido é permitido por lei. Apesar da incrível beleza estética, cenas de ação e planos-sequência inovadores, os 77 projetos de Jean Luc Godard não contém alma, composto por protagonistas machistas demais. O diretor marxista, influenciado pela filosofia existencialista, não teve filhos, tampouco grandes preocupações do tipo, casou-se com Anna Karina (1961 – 1965) e com Anne Wiazemsky (1967 – 1979), estrelas dos melhores Filmes Noir da sua carreira. Em oposição às pessoas com deficiência física severa que não desistiram da vida em momento algum. 
Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) foi o editor-chefe da revista Elle na década de 1990, cercado de belas mulheres e carros de luxo. A sua condição privilegiada cessou aos 43 anos após um derrame cerebral que o deixou paralisado, com exceção do olho esquerdo, pondo fim aos prazeres hedonistas do jornalista. O conterrâneo de Godard pensou em suicídio assistido também, mas resolveu compartilhar o seu último desafio inspirador num best-seller traduzido em 30 países, adaptado para o cinema, dez anos depois. O paciente com Síndrome do Encarceramento aprendeu a se comunicar por piscadelas, utilizando um alfabeto francês por ordem das letras mais comuns, com a ajuda da terapeuta Henriette Durand (Marie-Josée Croze, de Invasões Bárbaras) e da fonoaudióloga Marie Lopez (Olatz López Garmendia). A católica praticante lhe ensinou os caminhos da fé cristã, dando-lhe uma razão a mais para viver. O livro homônimo que deu origem ao filme: O Escafandro e a Borboleta (2007), no Prime Vídeo, foi concluído em cinco anos de trabalho árduo, tão limitado quanto o de uma borboleta presa num escafandro. Jean morreu em março de 1997, dez dias depois da publicação. Dizia ele: “Além do meu olho, duas coisas não estavam paralisadas: minha imaginação e minha memória”.
O cosmólogo Stephen Hawking (1942 – 2018) viveu o último ano da sua vida com problemas respiratórios e hospitalização regular, a exemplo do escritor francês. O cientista genial interpretado por Eddie Redmayne, nasceu exatamente 300 anos depois da morte do físico italiano Galileu Galilei, cujo objetivo era pôr em prática A Teoria de Tudo (2014), disponível no Star Plus, composta pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, capaz de explicar a origem do tempo e do universo: “O desejo profundo da humanidade pelo conhecimento é justificativa suficiente para nossa busca contínua.” “Se encontrássemos a resposta para isso, seria o triunfo definitivo da razão humana, pois então, nós conheceríamos a mente de Deus”. No entanto, aos 21 anos o estudante de Oxford desenvolveu uma doença neurológica e degenerativa que atinge os neurônios motores, promovendo a atrofia dos músculos. O astrofísico se casou com a autora do best-seller homônimo logo após os primeiros sintomas. Jane (Felicity Jones) é uma cristã anglicana que frequenta as missas de domingo até hoje, aos 78 anos, cuja fé lhe deu a força de vontade necessária para criar os três filhos e o marido com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) por 30 anos; mesmo sem faxineira e enfermeira, contrariando o prognóstico médico que atribuiu ao ateu apenas dois anos de vida. Quando o tetraplégico entrou em coma ao perder a fala, foi sugerido pelos cirurgiões a eutanásia também. Porém, a esposa, a favor da vida, optou pela traqueostomia que deu origem ao famoso sintetizador de fala.
Lorenzo Odone foi batizado em homenagem ao santo católico queimado vivo por ordem do imperador Valeriano I. O garoto nasceu com uma doença genética rara ligada ao cromossomo X que afeta diretamente a transmissão do impulso nervoso. A expectativa de vida estimada pelos médicos era de dois anos também, isso até o pai descobrir um óleo milagroso que normalizou a concentração de ácidos graxos no seu cérebro. Lorenzo morreu de pneumonia apenas em 2008, um dia depois do seu aniversário de 30 anos; cinco anos antes do pai e oito anos depois da mãe. Michaela Odone (Susan Sarandon) fez questão de cuidar do filho em casa, principalmente no Dia de Ação de Graças e no Natal, enquanto Augusto (Nick Nolte) desenvolvia o remédio para a adrenoleucodistrofia (ALD). O Óleo de Lorenzo (1992) mistura de trioleato de glicerol (fonte de ácido oleico) e trierucato de glicerol (éster do ácido erúcico), extraído do óleo de colza e azeite de oliva.
João, O Maestro (2017) foi considerado o maior intérprete do maior compositor de todos os tempos, Johann Sebastian Bach, criador da Fundação Bachiana, cuja função é ensinar música para crianças carentes. O pianista perfeccionista descansava apenas durante os jogos do seu time de futebol do coração, a Portuguesa de Desportos, ou quando as teclas do piano já estavam manchadas de sangue na calada da noite. Tal obsessão provocou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort), contratura de Dupuytren, e para piorar, o protagonista, interpretado por Davi Campolongo, Rodrigo Pandolfo e Alexandre Nero, foi assaltado e golpeado na cabeça com uma barra de ferro, provocando uma sequela neurológica: “Eu estava sem rumo, em 2003, já sabendo que não poderia mais tocar nem com a mão esquerda. Sonhei então, que estava tocando piano, com o Eleazar de Carvalho, que me dizia: — vem para cá, que eu vou te ensinar a reger”. Com o intuito de manter o mesmo nível de antigamente, o ex-empresário de Eder Jofre teve de decorar anualmente milhares de partituras, apesar das dores musculares intensas. As deficiências permanentes proporcionaram ao irmão do jurista Ives Gandra Martins um modo de vida limitado, menos desgastante na velhice, transformando o brilhante músico num símbolo de superação para as pessoas com e sem deficiência. Em 2020, João Carlos Martins voltou a tocar com as duas mãos durante a comemoração dos 466 anos da cidade de São Paulo: “É a 1.ª vez em 22 anos que coloco 10 dedos no teclado”.

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