05/08/2022 às 00h34min - Atualizada em 05/08/2022 às 00h34min

​Sobrevivente de Nagasaki criou o logo da Gazeta de Pinheiros

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Kaoru Ito faz parte da história viva e fascinante do Japão em todo o século XX, cuja biografia merecia um filme de Hollywood à la Forrest Gump. O aerógrafo nasceu em Nagasaki, cem dias antes da morte do pai, um exímio lutador de Karatê que lutou com honra na Segunda Guerra Sino-Japonesa, iniciada pelo "Incidente da Ponte Marco Polo”. A invasão do Império Japonês à China começou por Xangai em agosto de 1937, e Steven Spielberg fez questão de relembrar através do seu longa-metragem Império do Sol (1987), na HBO Max, baseado na autobiografia homônima de J. G. Ballard que marcou a estreia de Christian Bale no cinema com apenas 13 anos de idade. O garoto abastado, interpretado pelo ator-mirim, vivia num bairro diplomático de Xangai em contraste com a miséria do resto do país. Ocorre que em 8 de dezembro de 1941 o exército japonês invadiu, ao mesmo tempo, as possessões britânicas na Malásia, além de Singapura, Hong Kong, Pear Harbor, Guam e as Filipinas. Aos 11 anos Jim Graham se perde dos pais e acaba num campo japonês de prisioneiros, muito mais civilizado que os Gulags comunistas ou os campos de concentração nazistas. Porém, o filho mimado perde a inocência rapidamente, a fim de não morrer de fome, auxiliando outros prisioneiros ingleses a todo momento. O apaixonado por aviões japoneses viu o cogumelo formado pela bomba nuclear de Hiroshima, fez amizade com adversários e salvou inúmeras vidas.
Três dias depois, em 9 de agosto de 1945, o futuro especialista em desenho e pintura com apenas 8 anos na época curtia as férias escolares no sítio da avó, brincando numa plantação de flores ao observar no céu às 11 horas em ponto a passagem do bombardeiro B-29, seguido de um clarão e um forte vendaval que arremessou Kaoru Shunkun cinco metros pelo ar, até o garoto se chocar contra uma parede: “Nagasaki tem duas montanhas grandes. A bomba caiu no meio e eu estava do outro lado”, a  2 km do ponto de impacto, em Urakami que ficou coberta de fumaça preta em poucos segundos, cujo fenômeno é conhecido como Chuva Negra. Kaoru significa “alma de flor'', a flor de Nagasaki. Estima-se que a bomba nuclear lançada em Hiroshima tenha dizimado aproximadamente 160 mil pessoas e a bomba de Nagasaki cerca de 80 mil. A foto mais famosa da tragédia foi a do menino de 9 anos carregando o irmão morto de 5 anos nas costas enquanto esperava a sua cremação. Segundo o autor da foto, o fotógrafo americano Joe O’Donnell que faleceu aos 85 anos, coincidentemente em 9 de agosto de 2007, o menino mordia tão forte os lábios para não chorar que chegou a sair sangue de sua boca. O documentário de 2020, Searching for the Standing Boy of Nagasaki, mostra os esforços para encontrar aquela vítima sofrida. Contudo, a animação, Túmulo dos Vagalumes (1988), dirigida pelo falecido Isao Takahata, foi a que tirou o menino do anonimato, inspirada no conto homônimo semi-autobiográfico em 1967, cujo escritor Akiyuki Nosaka sentiu-se culpado pela morte de uma das irmãs por desnutrição em razão dos inúmeros bombardeios americanos em Kobe, no Japão, entre fevereiro e agosto de 1945. A sua outra irmã morreu de desnutrição em Fuku. Na trama da animação do Studio Ghibli, considerado um dos melhores filmes sobre guerra de todos os tempos, os irmãos, Seita de 14 e Setsuko de 4 vão morar com a tia egoísta após a morte da mãe toda queimada. Mas o orgulho e a falta de coletividade do adolescente impede que aquela família conviva em harmonia. Os vagalumes representam a plêiade de Espíritos que encaminham os desencarnados, principalmente aquelas almas desnorteadas por morte violenta, até a sua respectiva colônia espiritual ao embarcar no trem e observar a moderna e iluminada cidade natal reconstruída e próspera com a ajuda dos EUA, produzindo uma juventude rebelde nos anos 1980 que não respeita as tradições e os mais velhos, a exemplo da animação cyberpunk Akira (1988). A Parábola do Filho Pródigo simboliza o contraste entre os sobreviventes da Segunda Guerra e essa preguiçosa geração pós-guerra.
O professor Ito para sobreviver à escassez de alimentos em 1945 comia cobra, enquanto Seita e Setsuko comiam rã. A grande maioria da população mundial não conhecia a radioatividade tampouco os efeitos nos seres humanos, por isso o artista plástico só descobriu aos 23 anos que seu sangue estava minimamente contaminado.

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Por fim, o desenhista com o melhor traço do mundo desembarcou no Brasil aos 18 anos, e conheceu a cidade de São Paulo em maio de 1956, visando criar o logo da Gazeta de Pinheiros ao lado do fundador do jornal, Durval Quintiliano. 
Atualmente aos 85 o ex-professor de Karatê e Judô está casado com Tereza Ito, e ambos administram a Shunkun Artes e Cursos com 60 alunos na Rua Mourato Coelho 520, em Pinheiros. Enquanto Kaoru ensina 28 tipos de pinturas, como pintura clássica, sumiê, shodô (caligrafia), arte moderna, arte abstrata, a esposa nissei dá aula de língua japonesa, além de participarem da “Associação Hibakusha Brasil pela Paz e os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki no Brasil”: “O prefeito de Nagasaki uma vez veio até mim e me pediu para eu fazer uma pintura que retratasse a bomba. “Fiz um quadro de três metros e despachei para lá. Isso até saiu como notícia em um jornal grande do Japão. Hoje está no Museu da Bomba Atômica em Nagasaki mesmo. Recentemente ele me enviou uma carta de agradecimento. O nome dessa pintura é ‘NO’”.

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