03/06/2022 às 00h20min - Atualizada em 03/06/2022 às 00h20min

​Top Gun: Maverick chegou para salvar o cinema da lacração

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Após a fase decadente da Marvel e da DC, o fiasco de Matrix Resurrections e o sucesso da Sony com os nostálgicos Homem-Aranha: Longe de Casa e Ghostbusters: Mais Além, Tom Cruise investe na mesma estratégia da Sony, ainda sob o impacto da pandemia, e conquista a maior bilheteria da sua carreira em um fim de semana: 248 milhões de dólares. Para impedir a lacração, o último grande astro do cinema tornou-se produtor executivo de Top Gun: Maverick (2022), ao lado de Christopher McQuarrie (Missão: Impossível – Efeito Fallout) e do diretor do filme Joseph Kosinski que trabalhou com o ator em Oblivion; um caso raro em que a sequência superou o original usando uma fórmula simples, a exemplo de Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca, cuja franquia completa 45 anos e foi homenageada aqui sem querer. A nostálgica geração X dialoga com a nova geração de pilotos de elite da marinha, sem exagero, envoltos pela trilha sonora clássica, no bar, na praia e no ar, em homenagem ao falecido Tony Scott, diretor dos Ases Indomáveis em 1986. Sem esquecer do gran finale na voz inconfundível de Lady Gaga que ao lado de Adele carrega a indústria pop e as principais trilhas sonoras da sétima arte. A disputa entre o rancoroso filho de Goose, Bradley Bradshaw (Miles Teller) e o “paizão” Maverick substituiu a competitividade dos pilotos na época da Guerra Fria, pois o inimigo atual governa uma nação fictícia ao invés da URSS. O único remanescente dos anos 80 se tornou uma espécie de mentor do incorrigível Maverick, auxiliado pelo interesse amoroso do garanhão (Jennifer Connelly), citada no original apenas como “a filha do almirante”, mas que coloca o aviador indisciplinado na linha e ensina a ele o  significado de constituir uma família, em definitivo. O macho-alfa voltou para salvar o cinema em coma, assim como o romantismo masculino em falta, pois o último James Bond foi castrado pela turma da lacrosfera desde 2006. Val Kilmer como Iceman é um show à parte, mesmo com câncer na laringe. Na autobiografia Val, disponível no Prime Vídeo, o ex-Batman documentou toda a sua carreira cinematográfica com a câmera na mão. Por fim, a parte final de Top Gun: Maverick, em exibição nos cinemas, é inovadora e surpreendente, remetendo ao clássico Atrás das Linhas Inimigas. Tom Cruise não usa dublê e trocou a tela verde recorrente nos blockbusters por combates aéreos realistas, exigindo que o elenco principal pilotasse sem CGI, filmados por 6 câmeras no cockpit de cada um, com o intuito de captar as reações inusitadas dos atores.
Em outubro de 1993 o presidente Bill Clinton sentiu saudades da Guerra Fria, sobretudo da política intervencionista, corriqueira do Partido Democrata, que mandou milhões de soldados americanos até as guerras euroasiáticas inúteis no século passado. Falcão Negro em Perigo (2001) retrata a missão de paz pela ONU onde 160 soldados americanos tentam impedir um genocídio entre três tribos rivais na capital da Somália que já havia provocado mais de 100 mil mortos. O responsável por aquela guerra civil foi o tirano Mohammed Farah Aidid que estudou estratégia militar na União Soviética nos anos 1980, a fim de receber dos comunistas um sofisticado aparato militar. A missão para variar foi um fracasso, resultando na morte de mais de 1000 somalis que consideravam os EUA os verdadeiros inimigos. No embalo da Guerra ao Terror, o longa disponível no BP Select fez questão de estrear nos cinemas dois meses depois do “11 de Setembro”, trazendo uma visão realista, imersiva e visceral, em virtude do estratégico posicionamento de câmera, unido ao ensurdecedor efeito sonoro. Ridley Scott desconstrói o herói indestrutível e salvador da pátria, dividindo-o em dezenas de atores conhecidos, como por exemplo Josh Hartnett, Ewan McGregor, Tom Hardy, Tom Sizemore, William Fichtner, Eric Bana, Sam Shepard, Orlando Bloom, entre outros. Na Batalha de Mogadíscio o trabalho em equipe dos integrantes do Comando Delta sem Chuck Norris torna-se fundamental, porque ninguém ficou para trás. No final, o irmão de Tony Scott se rendeu a clássica jornada do herói com uma cena emblemática dos soldados esgotados voltando para casa ao lado de crianças raquíticas em meio a uma névoa mística, análogo a um fantasioso conto de fadas. 
O médico socorrista Desmond Doss (Andrew Garfield) absorveu com louvor o lema militar sagrado mencionado acima, de modo a não deixar nenhum companheiro de guerra para trás, tornando-se o primeiro objetor de consciência a receber a Medalha de Honra do presidente Harry S. Truman ao resgatar nas costas 75 soldados da montanha 196, a Escarpa de Maeda, ou Hacksaw Ridge (o título em inglês), na Batalha de Okinawa contra os japoneses kamikazes. Desmond era um cristão da Igreja Adventista do Sétimo Dia e se recusou a portar ou usar uma arma de fogo de qualquer espécie, na Segunda Guerra Mundial, traumatizado na infância após apontar uma arma para o pai, veterano da Primeira Guerra que batia na mãe com violência. No documentário The Conscientious Objector de 2004, dois anos antes da sua morte, Desmond e os companheiros do exército confirmam a proeza, retratada na fiel adaptação dirigida por Mel Gibson. Até O Último Homem (2016) está disponível no Prime Video e na HBO Max. “Por favor, Senhor. Me ajude a salvar mais um. Me ajude a salvar mais um...”
Em Fomos Heróis (2002), Mel Gibson encarna o tenente-coronel Hal Moore comandando mais 400 soldados de elite contra 2 mil vietnamitas kamikazes em campo aberto com 20 anos de experiência, em razão da Guerra da Indochina contra as tropas coloniais francesas entre 1946 e 1954. O prelúdio da Guerra do Vietnã marcou a independência do Laos, Camboja e do próprio Vietnã, dividido em dois países, posteriormente. Assim como em Falcão Negro em Perigo e Top Gun: Maverick, o filme dirigido por Randall Wallace valoriza o trabalho em equipe dos soldados americanos, apoiados por Saigon, tal como a união dos vitcongs comunistas do Vietnã do Norte. Ao mesmo tempo que as esposas dos mortos são consoladas por Julia Moore (Madeleine Stowe) e Barbara Geoghegan (Keri Russell), lembrando a tarefa ingrata de “O Mensageiro” que em 2009 foi indicado a 2 Oscars. A Batalha de Ia Drang foi considerada uma das mais sangrentas da história militar norte-americana, batizando o local de Vale da Morte que rendeu ao tenente-coronel cristão a Medalha por Serviços Distintos, a segunda maior condecoração do Exército, cujo livro homônimo escrito em parceria com Joseph L. Galloway, foi adaptado para o cinema.

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