05/05/2022 às 21h33min - Atualizada em 05/05/2022 às 21h33min

​Vigiar e não punir no Brasil? Graças aos amigos e simpatizantes do presidente?

Michel Foucault, em sua obra “Vigiar e Punir” (Editora Vozes, 1997), analisa os atos de terror dos governantes europeus no século XVIII, mais precisamente da França, antes da Revolução de 1789, consistentes de toda espécie de tortura aos criminosos, antes de levá-los à morte. Retrata um momento histórico em que a crueldade na punição aos infratores era desmedida, com castigos desumanos que representavam, por sua vez, um desrespeito direto ao rei, verdadeira vingança desproporcional do monarca. Eram, portanto, atos arbitrários e, na realidade, ineficientes, pois a violência continuava a existir, além do fato de que esses atos nefastos várias vezes se voltavam ao próprio governante. No século seguinte, relata Foucault, com as reformas levadas a efeito no direito penal, as punições passaram a ser mais brandas e a vigilância mais acentuada, não apenas aos presos, mas a toda a sociedade.
Estamos atualmente muito bem vigiados pelo Estado e por empresas privadas, mas a punição tem sido tênue para infrações graves e acentuada para crimes de menor violência. Em nosso País, crimes gravíssimos, como o de corrupção, que resulta na falta de verbas para uma educação eficaz, hospitais insuficientes e falta de segurança, são apenados com poucos anos de prisão, embora muitos morram em decorrência dessa infração, que é considerada de pouca violência. Existem atos mais violentos que o de corrupção? Por outro lado, crimes menos graves para aqueles que não possuem advogados são tratados com muitas vezes com rigor, como furto, em especial de pequeno valor. Há, contudo, delitos de grande repercussão e gravidade, tais como atentar contra o regime democrático e contra as instituições.
Como deixar de punir quem ameaça os ministros do STF e pleiteia a volta de uma autocracia? Independentemente do exame do inquérito que deu origem à condenação de Daniel Silveira, seus atos são gravíssimos e não se coadunam, em hipótese alguma, com a liberdade de expressão. São graves ilícitos penais que requerem punição exemplar, pois violam o Estado Democrático de Direito. Da mesma forma, a graça (indulto individual) que lhe foi concedida pelo presidente é flagrantemente inconstitucional, visto que, embora em tese possível, há nesse caso desvio de finalidade do instituto que, bem de ver, tem caráter humanitário e não serve de perdão a amigos condenados. Se assim fosse, o presidente teria a palavra final sobre qualquer condenação e passaria a ter um poder absoluto de dizer o direito, o que obviamente não se permite. Não podemos retornar aos atos desumanos do século XVIII, mas devemos punir aqueles que cometem crimes, sob pena de descrédito geral na Justiça, com consequências nefastas para toda a sociedade. Somos muito bem vigiados, porém impera entre nós, infelizmente, a impunidade.
Gaston Bonnet, jornalista

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://gazetadepinheiros.com.br/.