24/03/2022 às 23h15min - Atualizada em 24/03/2022 às 23h15min

​Quatro filmes indicados ao Oscar sem maniqueísmo

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Este ano perdemos os inesquecíveis vencedores do Oscar, William Hurt e Sidney Poitier. O afro-descendente conquistou fama justamente no auge da segregação racial promovida pelas leis democratas Jim Crow. Em 1963 o ator requintado que cresceu nas Bahamas tornou-se o primeiro negro a ganhar um Oscar pelo filme: Uma Voz nas Sombras e quatro anos depois estrearam nos cinemas de uma vez só No Calor da Noite, Ao Mestre, Com Carinho e Adivinhe Quem Vem para Jantar, os maiores sucessos da sua carreira. Adivinhe Quem Vem para Jantar é uma comédia ousada sobre um tema tão delicado, exibido nos cinemas pouco antes da morte de Martin Luther King. Na trama a estudante culta e elegante Joey Drayton (Katherine Houghton, estreando como atriz) conheceu no Havaí durante as férias o renomado médico afro-americano, John Prentice (Poitier). A jovem apaixonada decide casar imediatamente e para celebrar o matrimônio convida o nubente a cear da casa dos pais em São Francisco que não desconfiavam nem um pouco do namoro inter-racial da única filha. A expressão sincera no rosto espantado da mãe Christina Drayton (Katharine Hepburn), do pai Matt (Spencer Tracy), um escritor liberal do The Guardian, preocupado apenas com a sua reputação, e da empregada negra e também racista Tillie (Isabel Sanford) durante todo o jantar ao saber da novidade foi o charme dessa comédia espontânea que encontrou o tom certo sem recorrer a ironias e ofensas pessoais.
Embora a nova geração conheceu William Hurt apenas como o impiedoso  general Ross da Marvel, seu último papel antes de falecer em 13 de março aos 71 anos, o ator ficou marcado pelos cinéfilos mais antigos em O Beijo da Mulher Aranha de 1985, o único filme brasileiro e independente a ganhar o Oscar de melhor ator, somado a indicação de melhor filme, direção e roteiro adaptado. A trama dirigida pelo saudoso Héctor Babenco no fim da ditadura militar conta a história do presidiário Luís Molina (William Hurt), um homossexual condenado por corrupção de menores que divide a mesma cela com Valentín Arregui (Raúl Juliá), o líder da guerrilha que dominava a capital paulista na época. Ocorre que para combater o tédio naquele presídio, Molina narrava ao pretendente os filmes prediletos da sua vida, cuja protagonista na mente de Valentín era sempre a ex-namorada Marta (Sônia Braga). Na aventura romântica em destaque a brasileira acaba traindo os companheiros da resistência por ter se apaixonado perdidamente por um nazista, interpretado por Herson Capri. A ótima fotografia mistura uma novela sensacionalista de rádio com imagens que lembram a famosa cena da taverna em Bastardos Inglórios. Enquanto nos sonhos do marxista a Mulher Aranha permanece eternamente ao seu lado numa ilha deserta que lembra as ilhas Fiji de O Show de Truman ou o paraíso virtual do personagem interpretado por Christoph Waltz em O Teorema Zero.
Há 20 anos estreava o melhor e mais premiado musical do século XXI, atrás de La La Land e Moulin Rouge. Chicago ocupa a honrosa 12.ª posição na lista dos 25 maiores musicais do cinema americano, divulgada pelo American Film Institute em 2006. Ambos ganharam seis estatuetas, porém, Lala Land perdeu para Moonlight na categoria principal, uma gafe histórica um tanto suspeita. Em contrapartida, Chicago ganhou o Oscar de melhor filme, enquanto o prêmio de melhor atriz coadjuvante ficou para Catherine Zeta-Jones na melhor performance da sua carreira, um feito inédito desde Oliver! (1968). A  história verídica de Beulah Annan e Belva Gaertner foi escrita pela jornalista Maurine Dallas Watkins em 1926 e virou musical da Broadway em 1975, relançado em 1994. Houve ainda duas versões cinematográficas em 1927 e 1942. A versão de 2002 disponível na HBO MAX denuncia o poder da imprensa fugaz, cujas matérias podem levar os acusados do céu ao inferno em poucos dias, despreocupada com a verdade dos fatos, contanto que suas narrativas sejam boas de vendas. Chicago é a cidade mais populosa do estado de Illinois, cuja lei muda conforme o acusado, dependendo da criatividade do defensor e da ideologia do juiz do caso. Aproveitando-se disso, o ardiloso advogado Billy Flinn (Richard Gere) manipula os jornalistas na coletiva de imprensa como se fossem marionetes, contando ilações absurdas do tamanho do seu ego. Logo, com o quarto poder nas suas mãos, a pressão fica por conta do juiz do caso. As clientes principais de Flynt são Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones) e Roxie Hart (Renée Zellweger). A primeira foi traída pelo marido e a segunda abusada pelo amante, ambos assassinados à queima-roupa pelas dançarinas de cabaret durante ato imoral com a cumplicidade do desprezado marido de Roxie, Amos Hart (John C. Reilly), e o amparo da rainha do presídio, Mama Morton (Queen Latifah). 
A maioria das refilmagens são inúteis ou desnecessárias e serão esquecidas em pouco tempo devido à falta de criatividade da equipe do filme, preocupada apenas em lucrar. Com raríssimas exceções dos recentes: Bravura Indômita, Amor, Sublime Amor, Infiltrado e No Ritmo do Coração (indicado a melhor filme, ator coadjuvante e roteiro adaptado), pois, os americanos adoram tirar uma casquinha dos filmes estrangeiros mais premiados. No caso de Amor, Sublime Amor, Spielberg se preocupou apenas em corrigir detalhes da trama sessentista, tornando-a um pouco mais didática, envolvente e elucidativa, auxiliado pela tecnologia atual e o amparo de toda sua genialidade corriqueira. Em 1898, durante a Guerra Hispano-Americana os EUA invadem Porto Rico e a Espanha acaba cedendo o território. Contudo, o Estado Livre Associado de Porto Rico transforma-se num território norte-americano não-incorporado, cujos habitantes não possuem representação no congresso, muito menos o direito ao voto nas eleições presidenciais. Ao mesmo tempo, os porto-riquenhos são considerados cidadãos naturais, sujeitos ao serviço militar e às leis federais. Ciente disso, Spielberg logo na primeira cena coloca os descendentes de poloneses e irlandeses pichando a bandeira porto-riquenha, uma das maiores ofensas aos patriotas daquela ilha. Essa foi uma das poucas alterações significativas do diretor em relação a versão original de 1961, vencedora de dez estatuetas, tornando-se o musical mais premiado de todos os tempos contra sete indicações do remake atual. A adaptação do musical da Broadway de 1957 é uma espécie de Romeu e Julieta urbano, formado por gangues rivais que disputam o território conhecido hoje como o Upper West Side de Manhattan, alimentados pelo ódio expresso em belas coreografias, desde o baile de formatura até a tragédia shakespeariana inevitável. A cerimônia do Oscar acontece neste domingo, dia 27. 

Adivinhe Quem Vem para Jantar (1967) - Nota: 4,0 
O Beijo da Mulher Aranha (1985) - Nota: 4,0 
Chicago (2002) - Nota: 5,0 
Amor, Sublime Amor (2021) - Nota: 4,5 

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://gazetadepinheiros.com.br/.