17/03/2022 às 23h52min - Atualizada em 17/03/2022 às 23h52min

​Os estrangeiros do Oscar 2022

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

A cidade de Nápoles em 1984 estava em festa com a chegada de Diego Armando Maradona que jogou no Napoli até 1991. Uma jornada de euforia e amadurecimento na vida do adolescente Fabietto Schisa (Filippo Scotti) que aspirava ser diretor de cinema no fim do auge do cinema italiano. A Mão de Deus da Netflix é o representante italiano em homenagem ao gol irregular do craque que mal sabia cabecear. A vitória por 2 a 0 contra a Inglaterra em 1986 foi considerada pelos críticos a melhor partida de um jogador de futebol numa Copa do Mundo, enquanto os nacionalistas sentiram-se vingados pela derrota do país na Guerra das Malvinas. Em 1982, o ditador Leopoldo Galtieri decidiu retomar a posse das Ilhas Falkland comandadas pelos britânicos, que enviaram um contingente militar três vezes maior com o apoio dos membros da OTAN. O massacre ordenado por Margaret Tatcher sobre os invasores durou apenas 74 dias, consolidando o fim da ditadura militar na Argentina.
O favorito ao Oscar de Melhor Longa-Metragem Internacional é o longa japonês, cujo enredo é o mais personalista dos concorrentes. Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima) é um ator e diretor de teatro que parou de atuar em razão de um trauma de família, semelhante ao da motorista dele, Misaki (Toko Miura). Drive My Car indicado também a melhor filme, direção e roteiro adaptado se destaca, no entanto, pelos ensaios dos atores, incluindo o diálogo em libras de uma deficiente auditiva com Kafuku. O agradável road movie disponível no MUBI se passa em Hiroshima, cujas estradas que ligam a cidade atingida pela bomba nuclear autorizada pelo presidente democrata Harry Truman, parecem um circuito de rua de Fórmula 1. Enquanto o conto homônimo de Haruki Murakami, ambientado em Tokyo, se desenvolve apenas dentro do carro, com diálogos objetivos entre motorista e passageiro, recordando o passado complicado de ambos, porém, sem ser piegas.
De acordo com o crítico de cinema Bruno Carmelo “O drama butanês-chinês em exibição nos cinemas parte de uma hipótese clara: as cidades tornam os indivíduos frios, desconectados da família e da natureza, enquanto o campo preservaria os verdadeiros guardiões das tradições e dos bons costumes”. Ugyen Dorji (Sherab Dorji) é um professor mal-acostumado em seu último ano de treinamento, designado pelo governo monárquico para lecionar na “escola mais remota do mundo” na minúscula cidade de Lunana, ao norte do Butão a 4800 metros acima do nível do mar. O cantor, que sonha em se apresentar nos bares de Sydney, começa uma subida geográfica de oito dias, ignorando o atencioso guia. Sua percepção começa a mudar após a recepção calorosa de todos os moradores daquela aldeia, muito antes de chegar na sala de aula feita de barro. No dia seguinte, o catedrático ao ser acordado pela graciosa líder da turma, percebe que não há quadro negro no local, o papel é feito de arroz e para acender o fogo, usa-se estrume iaque, um animal parecido com um boi. A relação fraternal que os moradores têm com esses animais é semelhante à dos hebreus com os cordeiros da bíblia, antes de comê-los para sobreviver. Embora manifeste um comportamento arredio, Ugyen continua sendo tratado com cortesia e sorrisos. O que “A Felicidade das Pequenas Coisas” nos traz é um povo civilizado de vida minimalista, apegado à cultura e às tradições locais, fazendo juramento diário ao monarca em frente a bandeira do país antes de iniciar as atividades diárias. Apesar de ter sido o melhor professor para os pequeninos,  puros de coração, o jovem só deu o devido valor a eles após bater de frente com o público indiferente de Sydney, cujo sonho se tornou na realidade um pesadelo.  
A Pior Pessoa do Mundo, em exibição nos cinemas, faz parte da trilogia Oslo do diretor Joachim Trier, ambientados na capital norueguesa envolvendo drogas e traições. Anders Danielsen Lie interpreta três personagens com inúmeras características em comum, sobretudo nos dois primeiros longas, embora não haja conexão alguma entre eles. Em Começar de Novo (Reprise de 2006), os amigos de infância Philip (Anders Danielsen) e Erik (Espen Klouman Høiner), amantes de literatura e música punk, decidem publicar um livro, imaginando o futuro, ao estilo Corra, Lola, Corra. Ocorre que apenas um deles fica famoso, mas acaba viciado em cocaína, e por conseguinte na tentativa de suicidio. Em Oslo, 31 de agosto, de 2011, baseado no romance Le feu follet, de Pierre Drieu La Rochelle, Anders (Anders Danielsen) é um dependente químico que se recupera numa clínica de reabilitação após tentar o suicídio, mas ao sair de lá para uma entrevista de emprego o paciente tem uma recaída. Em A Pior Pessoa do Mundo o mesmo ator interpreta o cartunista Aksel, vinte anos mais velho que a esposa Julie (Renate Reinsve). A atriz rouba a cena, auxiliada pelo roteiro orgânico, indicado ao Oscar, enquanto Danielsen virou um coadjuvante de luxo, o que não é demérito algum. O representante da Noruega na academia foge um pouco dos padrões hollywoodianos adolescentes, trazendo reviravoltas dramáticas, mescladas à comédia romântica corriqueira, e situações inusitadas para maiores de idade.
Em 1978, os comunistas tomaram o poder no Afeganistão através de um duro golpe conhecido como Revolução de Saur. As reformas anti-religiosas dos revolucionários num país 90% muçulmano, desapropriando terras e retirando direitos das mulheres, provocaram uma guerra civil que se agravou após a interferência da União Soviética em oposição ao grupo paramilitar Mujahidin, financiado pelos EUA, Reino Unido, Arabia Saudita e até a China. Os soviéticos lutaram por 10 anos do lado daquele governo totalitário, mas se retiraram pouco antes da queda do comunismo, retratado em Rambo 3. O longa dinarmaquês, indicado pela primeira vez a melhor filme internacional, documentário e animação, conta a fuga de toda a família do afegão órfão de pai, sob o pseudônimo Amin Nawabi, até a região dos países escandinavos: Noruega, Suécia e Dinamarca, passando inevitavelmente pela União Soviética. O garoto com tendências homossexuais desde criança era apaixonado por Jean-Claude Van Damme e as músicas dos anos 1980. Flee (Fuga) foi baseado numa história real rotostopiada e animação convencional, incluindo as melhores cenas animadas de O Grande Dragão Branco. Ocorre que ao desembarcar na Rússia, sua família teve de despistar os agentes comunistas opressores, a fim de contratar contrabandistas para viajar um por vez, ora por terra, ora pelo mar, escondidos em containers ao lado de prostitutas, correndo risco de morte em prol da sonhada liberdade num país democrático pela primeira vez.  

A Mão de Deus (2021) - Nota: 2,5 
Drive My Car (2021) - Nota: 3,0 
A Felicidade das Pequenas Coisas (2019) - Nota: 4,5 
A Pior Pessoa do Mundo (2021) - Nota: 3,5 
Flee (2021) - Nota: 3,5 

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