11/11/2021 às 23h37min - Atualizada em 11/11/2021 às 23h37min

​Do Velho Oeste ao Oeste Contemporâneo

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

O jurista Ranse Stoddard (James Steward) se refugia na pacata cidade de Shinbone após ter sido atacado pelo bando de Liberty Valence (Lee Marvin). A primeira atitude do facínora ao descobrir que o reino de terror estava ameaçado foi cercear a liberdade de imprensa, destruindo o local do único jornal da região. Shinbone era uma cidade em formação, quase sem lei, que não pertencia a nenhum estado americano. Enquanto se recuperava do assalto, o viajante ensinou a maioria dos habitantes a ler e escrever, além de ajudar na administração do restaurante da bela Hallie (Vera Miles) lavando pratos. O Homem que Matou o Facínora, é um clássico revisionista que retrata fielmente o nascimento do velho oeste estadunidense, desconstruindo o romantismo de vilões e mocinhos que o próprio diretor John Ford ajudou a construir em toda sua carreira. John Wayne foi imortalizado no cinema como um herói canastrão, embora o pistoleiro Tom Doniphon interpretado por ele, apesar de canastrão, transferiu calado os louros ao intelectual que “roubou” a namorada e toda sua glória depois da morte do facínora que impedia o progresso na região, tornando-se o primeiro representante da cidade na capital federal, Washington. Stoddard, o falso herói por acidente, manteve a fama até a aposentadoria, graças ao amparo da imprensa que desde aquela época manipulava a notícia, distorcendo os fatos de modo a continuarem lendas até o fim, enquanto o cowboy injustiçado foi enterrado quase como um indigente. A justiça pelas próprias mãos deve ser analisada de acordo com o contexto e as circunstâncias da época: “Sem educação não existe lei e ordem”, porém, “quando a força ameaça, palavras de nada adiantam” (Ranse Stoddard).
Nesse sentido, temos o último grande faroeste que Clint Eastwood atuou e dirigiu aos 62 anos. Na trama crepuscular de Os Imperdoáveis, na HBO Brasil, todos os personagens têm moralidade duvidosa por razões bem fundamentadas, a exemplo do antigo parceiro de William Muny (Eastwood), Ned Logan (Morgan Freeman), e o garoto inexperiente, auto-apelidado Schofield Kid (Jaimz Woolvett) que se fez de durão na hora de recrutar os assassinos por encomenda, mas amarelou ao tirar a vida de um adversário, ao contrário do enferrujado Muny, que sob violenta emoção ressuscita o assassino interior, enquanto o xerife Bill Daggett (Gene Hackman) desarma o cidadão que ameaça o seu governo autoritário, mas é condescendente com os comparsas que retalham o rosto de uma prostituta. Ocorre que a confiança cega no sistema “infalível” fez o cruel homem da lei baixar a guarda justamente no momento de fúria do mercenário idoso após recuperar a velha forma latente, sem cair do cavalo na hora do mata-mata. 
Assim como o personagem turrão vivido por Eastwood, Henry (Tim Blake Nelson) é um fazendeiro aposentado que cria porcos a fim de sustentar a família após a morte da esposa. Certa feita, ele encontra casualmente o jovem moribundo Curry (Scott Haze) com uma grande quantidade de dinheiro na sacola, e acaba hospedando-o em sua casa. Ocorre que essa atitude caridosa obriga o bom samaritano a abandonar aquela vida pacata a fim de escapar de bandidos disfarçados de homens da lei que pretendem reaver a fortuna a qualquer custo. Old Henry em alguns momentos pode parecer morno e sem propósito, pois esconde surpresas e ótimas cenas de ação pontuais. 
Desde 1992, Clint Eastwood desconstrói aos poucos a imagem de macho-alfa que o revelou para o mundo. Ainda bem que o republicano não cumpriu a promessa de se aposentar como ator depois da estreia de Gran Torino em 2008. Aos 91 anos em plena pandemia ele atua em todas as cenas do novo longa-metragem baseado no romance homônimo de Richard Nash em 1975, cujo roteiro elaborado pelo próprio escritor ficou pronto há vinte e um anos, pouco antes da sua morte. Mike (Eastwood) é um vaqueiro alcoólatra aposentado  devido a um acidente de trabalho que precisa resgatar o filho do antigo patrão na fronteira do Texas com o México. O adolescente problemático há sete anos vem sendo abusado pela mãe desequilibrada. Cry Macho - O Caminho para a Redenção, na HBO Max, é lento, porém, dinâmico, com cenas angustiantes e uma mensagem ética e familiar cada vez mais rara no cinema.
Com o fim das leis democratas Jim Crow os afro-americanos passaram a ter  destaque nas telonas, e a partir da década de 1980 protagonizaram filmes atuando em todas as cenas. Em 2021 estreia na Netflix o primeiro longa metragem do músico inglês Jeymes Samuel, reunindo cowboys lendários ignorados por Hollywood em razão da cor da pele. O enredo fictício em homenagem à cultura blaxploitation tem toques refinados do clássico western spaghetti, temperados de humor sarcástico à la Tarantino, além de uma trilha sonora moderna composta por Jay-Z, Seal e CeeLo Green que vai do rap ao reggae, embalada por um elenco estelar formado por Jonathan Majors, Idris Elba, Zazie Beetz, Regina King, Delroy Lindo, Lakeith Stanfield, RJ Cyler, Danielle Deadwyler, Edi Gathegi, e Deon Cole. Na trama, uma gangue de anti-heróis decide roubar vilões sanguinários em busca do perdão centenário. Vingança & Castigo é um divertidíssimo espetáculo visual, mas se perde no roteiro com pouca fluidez devido à falta de experiência do diretor estreante.   

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