Mesmo não sendo fã de futebol, é impossível estar alheio a toda euforia que ele causa nos torcedores. A Copa do Mundo está aí para provar que o futebol continua sendo o esporte das massas e segue gerando lucros e fãs apaixonados pelos seus times. Infelizmente, a prática desse esporte não está imune a uma praga que persegue a humanidade: o racismo. Recentemente, vimos as cenas chocantes sofridas pelo jogador Vini Junior, que atualmente, joga pelo Real Madrid e pela Seleção Brasileira. Vini foi chamado de “macaco” pela torcida espanhola, levou um mata-leão e acabou sendo expulso do jogo. O próprio atleta diz que não é a primeira vez que sofre esse tipo de agressão dentro e fora do campo.
Vini é brasileiro, jovem, negro retinto, atleta e um dos melhores jogadores da sua geração! É o vice-artilheiro do time e o jogador com mais participação ativa nas jogadas que terminaram com a bola na rede. Entretanto, mesmo com um currículo de dar inveja entre seus pares, ele não consegue ser visto além da cor da sua pele.
Os estádios de futebol se assemelham muito com os antigos coliseus romanos, aonde os cidadãos iam para se divertir com os mais variados tipos de mortes. Naquele tempo, o gladiador ficava no meio da arena e os seus movimentos eram observados pela multidão, que vibrava após cada embate até o trágico final, que era a morte de um dos envolvidos. Uma partida de futebol possui um cenário muito parecido com o dos antigos coliseus, mas, atualmente, ao invés de gladiadores, temos jogadores de futebol. No meio do tapetão, estão as equipes que vão se enfrentar. Estão ali, prontos para “matar” ou “morrer” pelo seu time. É evidente que a palavra morrer, nesse caso, é entendida como um eufemismo, ou seja, um “modo de dizer” já que em pleno séc. XXI, ninguém espera que homens lutem até a morte diante de uma plateia delirante.
Será mesmo?
O que vimos acontecer com o jovem negro, Vini Junior, demonstra que o racismo pode sim, gerar um tipo de morte, que é tão ou mais trágica quanto a morte física, como as ocorridas no coliseu. O racismo pode gerar um tipo de morte bem pior, a morte daquilo a que chamamos de humanidade. Quando uma pessoa negra é chamada, repetida vezes, de “macaco” o que se pretende é animalizar essa pessoa. Ou seja, na visão do racista, ela não possui atributos de um “ser humano”, já que ser humano é uma característica atribuída apenas a indivíduos brancos. O que o jogador Vini Junior tem vivido é uma morte que se repete a cada partida, todas as vezes que ele entra em campo.
No livro “Afropessimismo” de Frank B. Wilderson III, professor da Universidade da Califórnia, todas as instituições constituídas trabalham para impor ao corpo negro a subalternização e a marginalização, apropriando-se dele e reproduzindo a sua morte social. Nesse sentido, segundo o autor, o “negros não são sujeitos humanos, sendo, em vez disso, estruturalmente suportes inertes, ferramentas para a execução das fantasias e dos prazeres sadomasoquistas dos brancos e dos não negros”. Wilderson conclui seu texto afirmando que para a sociedade o negro não é considerado um sujeito político, pois “uma agenda negra radical é apavorante para a maior parte das pessoas à esquerda”, “emana de uma condição de sofrimento para a qual não existe estratégia imaginável de reparação”. Portanto, animalizar o sujeito negro é uma das estratégias mais cruéis do racismo e por isso mesmo, tão difícil de combater.
Vini Junior fez algumas declarações, após o ataque que sofreu, e deixou subentendido que poderia voltar ao Brasil. Infelizmente, para ele e os negros brasileiros, o racismo não é um problema restrito a um único espaço geográfico. Aqui também temos testemunhado mortes diárias de jovens e crianças negras vítimas do racismo. Seguimos cultivando pragas, esperando colher flores.
*Maristela Reis Sathler Gripp é Professora da área de Linguagens e Sociedade- Curso de Letras UNINTER. Doutora em Estudos Linguísticos