​Conhece-se a árvore pelos frutos

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Apenas Uma Vez (2007) é uma deliciosa conversa sobre música entre um compositor que conserta aspirador de pó (Glen Hansard) e uma faxineira descendente de músicos e vendedora de flores (Markéta Irglová). O casal começou a namorar durante as filmagens, formou o dueto The Swell Season, compondo a maioria das canções do longa de apenas 160 mil dólares que acabou faturando 120 milhões, além do Oscar de Melhor Canção Original, cujos diálogos amorosos desenvolvem-se naturalmente em função da música ao invés da fala. O diretor John Carney e o músico Glen Hansard começaram a carreira tocando pelas ruas de Dublin, onde nasceram, enquanto Markéta nasceu na República Tcheca, assim como a sua personagem. 
Em razão do enorme sucesso, John Carney, ex-baixista da banda irlandesa The Frames, resolveu produzir uma versão hollywoodiana, bem diferente da cinebiografia. Dessa forma, Mesmo Se Nada Der Certo (2013), disponível na BP Select e no Prime Vídeo, descreve a trajetória do fundador de uma gravadora famosa ao se separar da mulher (Catherine Keener), ser demitido e começar a beber, demasiadamente. Dan Mulligan (Mark Ruffalo) estava desiludido com a falência criativa da nova geração de compositores quando resolveu afogar as mágoas num bar nova-iorquino onde encontrou um novo propósito de vida após ouvir uma letra profunda e bem elaborada, finalmente, imaginando a melodia agregada ao violoncelo, bateria e guitarra, em vez do violão, tão somente, cuja cantora tinha acabado de brigar com o namorado ao se apresentar no palco. Gretta (Keira Knightley) prefere compor músicas intimistas enquanto o namorado egocêntrico, vivido pelo vocalista da banda Maroon 5, prefere hits comerciais de modo a agradar aos fãs; ao contrário de Mulligan, cuja intenção é a de servir um ao outro. Nesse sentido, o empresário acabou fazendo as pazes com a esposa enquanto a filha adolescente, interpretada pela atriz e cantora Hailee Steinfeld, participou das gravações do álbum independente da sua nova amiga e conselheira
Gretta James.
O diretor Damien Chazelle de apenas 29 anos espantou Hollywood ao conquistar três Oscars com Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014). Whiplash ou Chicotada é o nome da composição do saxofonista americano Hank Levy (1927-2001), conhecido pelos compassos ímpares de métrica incomum. Chazelle era baterista de jazz na Princeton High School e aluno de um professor abusivo antes de ser cineasta, buscando a excelência num mundo relativista onde a mediocridade é celebrada. A trama disponível na BP Select e no Start Plus, discorre sobre a relação disfuncional, alimentada de terror psicológico, entre o maestro Fletcher (JK Simmons) e o baterista Neiman (Miles Teller), obrigando o pupilo a ignorar a família e romper com a namorada (Melissa Benoist), a fim de chegar a perfeição, análogo ao maestro brasileiro João Carlos Martins em João, o Maestro. 
Lydia Tár cumpre com louvor a agenda politicamente correta sendo a primeira regente titular feminina da Filarmônica de Berlim, entrevistada pelo escritor e jornalista do The New Yorker, Adam Gopnik, interpretado por ele mesmo. A discípula de Leonard Bernstein é um dos poucos mortais a alcançar o EGOT:  Emmy, Grammy, Oscar e Tony. No entanto, um dos seus alunos pangênero da Juilliard School, a melhor instituição do mundo, se recusa a tocar Bach em função do comportamento misógeno do maior compositor de música erudita do mundo, embora aceite escutar as composições de um racista e antissemita como Edgar Varèse; a típica condenação seletiva e contraditoria ao julgar o músico em vez da musica. A maestrina lésbica acabou sendo vítima dessa cultura do cancelamento após uma das suas alunas se suicidar, cujo processo judicial foi movido rapidamente por especialistas em arruinar a vida e a carreira dos réus, ao descobrir que Lydia era egomaníaca e adúltera porque abusava psicologicamente e sexualmente dos seus alunos, cuja filha não tinha coragem de chamá-la de mãe na frente da esposa, Sharon Goodnow (Nina Hoss). O mesmo diretor de Pecados Íntimos, Todd Field, auxiliado pela excelente atuação de Cate Blanchett, enganou a todos, dentro e fora das telonas; Tár (2022), é uma personagem fictícia, motivo de repulsa e admiração, tornando-a cada vez mais ­humana.