24/06/2022 às 00h30min - Atualizada em 24/06/2022 às 00h30min

O Inverno chegou

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

O Inverno chegou, e com ele as temperaturas com um dígito, principalmente no sul e no sudeste do país. A desculpa preguiçosa para não sair da cama. Ocorre que na cidade mais fria do mundo com 500 habitantes, aproximadamente, as temperaturas em janeiro chegam em média a 50 graus negativos. Lá em Yakutsk, na Sibéria, havia um campo de trabalho forçado soviético em 1941, mencionado em The Long Walk: The True Story Of A Trek To Freedom, escrito por Slavomir Rawicz, um dos sobreviventes. A obra literária virou filme em 2010 dirigido por Peter Weir (O Show de Truman) sendo indicado ao Oscar de Melhor Maquiagem. Em Caminho da Liberdade, disponível na BP Select, o prisioneiro político Janusz Wieszczek (Jim Sturgess) foi dedurado pela esposa antes dela ser torturada pelos militares do governo comunista na época da invasão à Polônia que deu início à Segunda Guerra Mundial. Cansado de comer grude diariamente, trabalhar nas minas e cortar madeiras, o polonês reúne um engenheiro americano (Ed Harris), um ator (Mark Strong) que foi preso pelas autoridades soviéticas porque a peça em que atuava foi considerada subversiva; um criminoso russo (Colin Farrell) que tatuou o rosto de Stalin no peito, contaminado pela típica lavagem cerebral intermitente; um artista polonês (Alexandru Potocean), um sacerdote letão (Gustaf Skarsgård), um polonês subnutrido acometido de cegueiranoturna (Sebastian Urzendowsky) e um contador iugoslavo (Dragoş Bucur). Os corajosos decidem fugir do Gulag na época mais fria do ano, porque dificilmente, seriam perseguidos pelos guardas desmotivados. O termo “Gulag” foi popularizado no Ocidente graças ao livro “Arquipélago Gulag”, do escritor russo Alexander Soljenítsin, publicado em 1973, em Paris. Ao passar pela cerca elétrica, os presidiários enfrentam uma temperatura de 40 graus negativos numa das florestas mais úmidas do mundo. Após muitos dias de caminhada, o grupo chega ao Lago Baikal, o lago mais profundo do mundo com 1642 metros de profundidade (20% de toda água doce do planeta). Lá, os viajantes conhecem uma jovem polonesa (Saoirse Ronan), órfã de pais assassinados, que fugiu de uma fazenda coletiva perto de Varsóvia. No deserto de Gobi, o mais árido do mundo, cujas temperaturas médias podem variar entre -43 °C e 38 °C  no ano. Os sobreviventes para chegar ao destino final, na Índia, precisavam atravessar ainda as montanhas do Himalaia, incluindo o famoso Monte Everest, o mais alto do mundo com 8 848,86 m. Ao todo foram 6500 km, um terço do que Frodo e Sam percorreram em O Senhor dos Anéis.
Em um vale isolado na “Terra do Gelo”, dois irmãos vizinhos que não se falam a 40 anos terão de se unir para salvar o rebanho de ovelhas que sustenta a família há várias gerações após uma delas contrair scrapie, uma doença degenerativa fatal e contagiosa que afeta o sistema nervoso desses animais, cuja população do país é superior a dos humanos. A Ovelha Negra (2015), um dos melhores longa-metragens islandeses de todos os tempos, foi baseado numa história contada pelo pai do cineasta Grímur Hákonarson, refilmado cinco anos depois por Jeremy Sims que escolheu trocar o frio nórdico dos iglus pelo calor infernal da Austrália, conhecida por seus incêndios criminosos, abafado pelos ambientalistas com escritório refrigerado. 
Lamb (2021), disponível no MUBI, aborda o mesmo tema, ambientado também na Islândia, cujo destaque é o folclore tradicional. Na trama de terror e suspense psicológico, dirigida por Valdimar Jóhannsson, um casal vivido por Noomi Rapace e Hilmir Snær Guðnason furta uma cordeira híbrida do próprio rebanho que pastora e alimenta, e a batiza no Natal com o mesmo nome da filha, enterrada no meio de duas cruzes desconhecidas pelo telespectador. Ada ganha um berço e roupas humanas, enquanto a mãe biológica berra diariamente do lado de fora da casa. O apego desesperado de Maria e Ingvar pelo animal sagrado em substituição à filha desencarnada termina em tragédia, ao invés de optarem por um discreto e civilizado auxílio à distância, sem interferir na natureza. A filha adotiva representa o minotauro do Labirinto de Creta, cujo cérebro de touro se opõe ao cérebro humano do centauro que fala e age racionalmente, mas anda como um cavalo: o Elo Perdido entre os chimpanzés e os seres humanos.
O competente Taylor Sheridan após roteirizar o espetacular Sicario: Terra de Ninguém e o ousado faroeste moderno A Qualquer Custo estreia na direção de Terra Selvagem (2017), no Telecine, mantendo o nível técnico, muito acima da média. Na gelada reserva indígena Wind River, localizada na cidadezinha de Lander, em Wyoming, Cory (Jeremy Renner — O Gavião Arqueiro), um caçador de coiotes e predadores, traumatizado pela morte da filha adolescente, encontra o corpo congelado de uma menina no meio daquela imensidão branca, e decide ajudar a agente do FBI, Jane Banner (Elizabeth Olsen — A Feiticeira Escarlate), natural do escaldante estado de Nevada que desconhece aquela região inóspita. O governo americano deveria perguntar aos povos indígenas onde preferem morar, antes de colocá-los num lugar frio ao lado de jovens caucasianos de mente vazia e sem nada para fazer.
Baseado no artigo High Places: Footprints in the Snow Lead to an Emotional Rescue, escrito por Ty Gagne, acompanhamos em 17 de outubro de 2010 a escalada despretensiosa de Pan Bales ao topo do Monte Washington, o monte mais alto do estado de New Hampshire e de toda a Região Nordeste dos Estados Unidos, com 1917 metros de altitude, famoso pelas mudanças climáticas extremas. Já no cume, a voluntária de busca e resgate, interpretada por Naomi Watts, é surpreendida pela figura solitária, de tênis e shorts, vestindo apenas uma jaqueta leve e luvas sem dedos por cima da pele para espantar o frio. John (Billy Howle) parecia drogado, pois visava o suicídio naquela hora. Por isso a heroína que inspirou o filme Tempestade Infinita (2022) teve de arrastar o moribundo quase congelado pela maioria do percurso antes de o sol se pôr quando a temperatura cai cerca de 20 graus. Um ótimo trabalho da diretora polonesa Małgorzata Szumowska que inventou obstáculos surpreendentes, combinados a bela e tenebrosa fotografia.

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://gazetadepinheiros.com.br/.