​Quem canta seus males espanta

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

Lin-Manuel Miranda nasceu em um bairro de Nova York chamado Washington Heights em 16 de janeiro de 1980, casou-se com Vanessa Nadal e teve dois filhos. Nesse bairro ao norte de Manhattan onde passou a infância fez grandes amizades que podem ser conferidas no seu primeiro sucesso da Broadway em 2008. Um lugar cheio de vida e alegria contagiante, constituído de pequenos empresários esforçados, filhos de imigrantes caribenhos, cujo colorido universal brota beleza, limpeza e organização, ignorando a cor da pele e a religião, mas com fé em Deus acima de tudo. In The Heights (Em um Bairro de Nova York) ganhou uma adaptação ainda em cartaz nos cinemas e na HBO Max. Naquele mesmo ano de 2008, o compositor queridinho de Hollywood de família porto-riquenha começou a escrever os primeiros rascunhos do próximo musical que iria estrear no teatro em 2015 e nas telonas em 2020. Hamilton: An American Musical, no Disney Plus, foi inspirado na vida do político estadunidense Alexander Hamilton, um imigrante órfão da ilha caribenha de Névis.
A estreia de Lin-Manuel Miranda como diretor ocorreu em novembro deste ano, contando a biografia de Jonathan Larson, na Netflix. Seu colega faleceu precocemente em 1996 aos 35 anos, pouco antes das suas obras: Tick, Tick... Boom! e Rent estrearem na Broadway. Larson (Andrew Garfield) pressentiu o fim da encarnação antes dos 30 anos quando começou a desfrutar a vida com intensidade e eficiência. Se vira nos 30! A trama descreve os últimos 10 anos do compositor focado na elaboração do musical Superbia, uma versão rock futurista do best-seller anti-comunista de George Orwell, 1984. O fracasso pela falta de originalidade deu origem ao monólogo de rock chamado 30/90, que posteriormente foi renomeado para Boho Days e, finalmente, intitulado Tick, Tick... Boom! Lin Manuel Miranda inovou ao colocar Tick, Tick... Boom! dentro do próprio making off, mesclado a uma comédia stand up cantada pelo caricato ex-Homem Aranha e a musa teen Vanessa Hudgens em marcante performance. 
O roteirista de Tick, Tick... Boom! Steven Levenson escreveu um livro que virou musical da Broadway, além de um longa-metragem em cartaz nos cinemas dirigido por Stephen Chbosky (As Vantagens de Ser Invisível), o mesmo roteirista do filme Rent (2005). Querido Evan Hansen, debate com propriedade a saúde mental dos adolescentes que se medicam muito cedo a fim de combater sua fobia social. Evan Hansen, interpretado pelo cantor do musical homônimo, Ben Platt, é um adolescente extremamente tímido que não consegue se expressar em público. O garoto solitário criado por um pai ausente e uma mãe que não pára em casa (Julianne Moore) encontrou na música a única forma de se comunicar com os colegas. Acontece que o guri escorou-se numa tragédia escolar que bombou nas redes sociais, aproximando-o do seu crush, Zoe Murphy (Kaitlyn Dever), dos pais dela (Amy Adams e Danny Pino) e da fama fugaz. Para isso, Evan teve de sustentar uma mentira criminosa, amparada em outras ainda piores, formando uma frágil e gigantesca bola de neve.  
Annette, disponível no MUBI e no cinema, é um musical bem montado do subgênero crime e castigo, simbolizado pelos opostos: masculino e feminino, maça e banana, amor e sexo, razão e emoção. Após contracenar um relacionamento conturbado com Scarlett Johansson em, História de um Casamento, da Netflix, Adam Driver repete a dose ao lado de Marion Cotillard. Henry McHenry é um comediante stand-up que está casado com a cantora de ópera Ann Desfranoux. O animador depressivo manipulava a plateia fanática a seu bel-prazer até a filha Annette, a exemplo de Pinóquio, se conscientizar das tramoias do pai, deixando de ser fantoche de massa de manobra para conquistar o seu livre-arbítrio. O diretor Les Carax (Holy Motors) retrata o cruel e sedutor mundo do entretenimento, interpretando um maestro que ensina a atuar dentro desse mundo ilusório ou quebrar a quarta parede para viver o mundo real.