23/09/2021 às 21h24min - Atualizada em 23/09/2021 às 21h24min

Paisagem, o sol, o céu, o outro lado da rua é um direito de cada pessoa

Ver o cenário que está ao seu redor, o céu, o sol, o outro lado da rua, a praça, as árvores, a movimentação dos pássaros e tudo que compõem uma paisagem, é um direito de cada pessoa, no dia a dia da cidade fragmentada. O que é esta relação entre o homem e seu espaço de vida, num ambiente tão contraditório quanto as áreas urbanas atuais? Prédios e mais prédios Encher São Paulo de prédios, sem os devidos estudos de impacto ambiental, invadindo bairros, anula tudo isso, sem considerar o direito à paisagem de cada habitante urbano. Retirar o cenário, enquanto experiência estética de seu espaço de vida cotidiana, que se consolida como direito que cada cidadão teria na condição fundamental para a humanização do *habitar a cidade* é um grande absurdo. Os modos de criar, fazer e viver, além dos patrimônios históricos, também são considerados formadores e portadores de referência a identidade a ação a memória dos diferentes grupos que compõe a sociedade brasileira. Paisagem é uma experiência partilhada Euler Sendeville, doutor em Estruturas Ambientais Urbanas, pesquisador do Instituto da Cultura e da Paisagem da USP, com especialização em ecologia e livre docência em arquitetura e urbanismo, ressalta que a paisagem é uma experiência partilhada, o que tem inúmeras implicações práticas, partilhadas pelas pessoas que têm nela sua vida, uma realidade essencialmente coletiva e de uma herança de gerações. Ou seja, o sentido da paisagem não pode ser dado apenas pelo universo teórico e existencial do observador. Na verdade, ela é mais intensamente revelada a partir das pessoas que têm nela uma experiência comum (comum em dois sentidos: de corriqueiro e de coletivo). São as pessoas que as entendem e as percebem. Os prédios apagam a história emotiva. Euler Sendeville explica que trata-se de reconhecer a paisagem em sua dimensão estética, não de beleza plástica (arranjo formal) ou de utilidade (adequação funcional), mas de uma experiência sensível, que é o modo como usamos o termo estética aqui. A paisagem é uma experiência humana, onde somos imensamente renovados. Os prédios apagam a história emotiva. Ignorar a intensidade, a tensão e a riqueza, a espontaneidade cheia de intencionalidades e contraditória desse partilhar experiências que constitui uma paisagem, é caminhar por elas de “olhos bem fechados”, é atravessá-las como um burocrata, que ao focar os olhos nada tem para ver senão memorandos, hierarquias, ordens, classes e as técnicas para sua catalogação e arquivo. Estudar paisagens, ao contrário, é abrir-se para uma dimensão estética (um ampliar da sensibilidade), uma dimensão poética (um ampliar dos significados no mundo), uma dimensão técnica (no sentido de uma técnica concebida sob um juízo social coletivo), uma dimensão crítica que fundamenta a mudança numa perspectiva humana ativa, no que esta expressão convida a uma ação ética e solidária (Paulo Freire, 1996, 2001, nos ajuda de modo essencial a aprofundar esse programa de aprendizagem). A paisagem muda o próprio pesquisador Ao falarmos em paisagem, obviamente estamos diante de visões, enfoques, problemas e conceitos muito diversos, que se referem a campos de significação comuns, embora não unificados. Indo além, a paisagem não pertence, enquanto conceituação, a um olhar ou a um saber, pois é um fato socialmente produzido, essencialmente coletivo e complexo ainda quando desigualmente apropriado de forma particular. Não são apenas as paisagens que mudam conforme o observador, como frequentemente se afirma. A paisagem muda o próprio pesquisador, conforme o problema enfrentado e a interação que se estabelece. Este é transformado e assim transforma seu entendimento da paisagem que se desvela nesse convívio. Aprendizagem é a transformação do sujeito na relação com o mundo, sem o que não se pode falar de conhecimento. A paisagem mobiliza um campo semântico e de possibilidades que ultrapassa o da racionalidade, embora o contemple, ativando importantes conteúdos de subjetividade e relacionais, que são assim, de algum modo, recapturados na investigação científica humanista (no sentido que lhe atribui Paulo Freire) através da intrusão poética. Esses recortes, no horizonte de uma subjetividade. A adoção e manutenção do termo paisagem mostra que a poesia ainda é necessária ao conhecimento científico. Como todo conhecimento, este engendra e é engendrado por representações do mundo e não por uma descrição isenta, permanecendo assim relativo à experiência existencial: se inscreve no quadro da vida do pesquisador e do pesquisado. foto: Euler Sendeville, doutor em Estruturas Ambientais Urbanas, pesquisador e consultor de planejamento ambiental do Instituto de Cultura da USP *Ana Aragão é jornalista radialista e ambientalista


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