29/05/2024 às 22h58min - Atualizada em 29/05/2024 às 22h58min

​Crise Climática. E quando for São Paulo?

São Paulo não está livre de tragédias climáticas como a que aconteceu no Rio Grande do Sul. Na verdade, os problemas já estão acontecendo. Secas, ondas de calor e chuvas concentradas que causam enchentes-relâmpago e ventos fortes estão a cada dia mais frequentes e ferozes. O que fazer para prevenir? Como deveriam ser os planos de emergência? O que o governo e a prefeitura devem fazer? O que cada pessoa pode fazer?
Claudia Visoni, jornalista renomada, ambientalista e agricultora conversou sobre esses assuntos com Ivan Maglio numa live do Instagram em 13 de maio de 2024 (https://www.instagram.com/p/C67S2tgvtDh/) . Ele é engenheiro civil com doutorado em Saúde Pública e pós-doutorado pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. Esse post é a transcrição resumida da entrevista publicada na Gazeta de Pinheiros, Grupo 1 de Jornais, com autorização da autora e do entrevistado.
Claudia Visoni – Ivan, como você se conectou com o tema de infraestrutura das cidades e da mudança climática?
Ivan Maglio – Eu sempre trabalhei com planejamento urbano e planejamento ambiental. E desde 2007, 2008, com os primeiros relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), já se mostrava que a mudança climática vinha como efeito das mudanças que o homem tinha provocado no planeta. Então comecei a acompanhar os relatórios e estudar mais o tema. Eu já havia estudado Saúde Pública e Planejamento Urbano, mas comecei a trabalhar com a questão climática. 
Claudia – Eu costumo falar que a mudança climática se apresenta em seis cenários: inundações, secas, ondas de calor, ondas de frio, ventos fortes e aumento do nível do mar. Hoje a gente vai focar principalmente na situação da Grande São Paulo. A gente poderia ver o Tietê, o Pinheiros, subindo mais de cinco metros?
Maglio – Sim, poderia. Mas depende muito do volume de chuvas. No caso do Sudeste, onde nós estamos, há muita incerteza, mas no Sul não. Os modelos já indicavam mais possibilidades de acontecer isso no Rio Grande do Sul e no extremo sul. Isso já era muito claro e estava previsto na 3ª Comunicação Nacional do Brasil, já estava previsto no Brasil 2040, já estava previsto em vários relatórios que a tendência de ter eventos extremos de chuva eram muito passíveis de acontecer no Rio Grande do Sul, como acabou acontecendo. A previsão aqui para o Sudeste é um pouco diferente. A gente trabalha muito com modelos climáticos e eles fazem uma avaliação, um prognóstico do que pode acontecer no futuro. Mas os nossos modelos indicam a tendência de seca.
Claudia – Que é o que a gente tá vivendo nesse momento? O desmatamento seca aqui, a porção central do país, e esse ar seco vira uma muralha. Aí a frente fria não consegue entrar, a umidade não consegue subir…
Maglio – Esse é o fenômeno que tá ocorrendo lá no Rio Grande do Sul. Aqui a previsão de chuvas intensas existe e a gente já teve situações assim, de vento, mas o prognóstico não é tão preciso em relação à chuva como é para o calor e para a escassez hídrica. Então nós temos certeza que vamos ter graves situações como a gente já teve em 2014, onde houve uma escassez hídrica a ponto de haver risco de colapso no abastecimento. Mas as chuvas podem acontecer e já aconteceram. E se fosse naquele volume, de 600 milímetros, certamente haveria inundações. 
Claudia – Muitas pessoas publicaram infográficos mostrando a área alagada de Porto Alegre e sobrepondo em cima de outras cidades, como São Paulo. Existem esses mapas de cota de cada cidade?
Maglio – Existem. Mas primeiro a gente precisa ver o conceito de risco climático. Esse conceito é: a ameaça e a questão do território, como ele é, sua vulnerabilidade específica. A nossa vulnerabilidade é: nós estamos com um rio que nasce no planalto e vai para o interior. Estamos num planalto e a cidade está desenvolvida em torno de uma planície dos rios Tietê e Pinheiros. Então quando chove na cabeceira do Tietê, essa onda vem e vai atravessando a cidade. Então a água vai para o interior. Mas se as barragens não estiverem abertas, esse volume fica. Se estiver assoreado, esse volume cresce. E aí a chance dessa planície ser inundada é grande. Mas ela tem uma configuração própria. Então nós teríamos que ter um fenômeno que chovesse muito nesse contexto. Não seria a mesma mancha, é uma mancha diferente.
Claudia – Aprendi com você que a nossa rede pluvial não está preparada para chuvas de mais de 100 milímetros concentradas porque elas não existiam quando a cidade foi planejada. Mas o cenário mais provável na Grande São Paulo é o de uma cidade mais seca e mais quente, que é o que já estamos tendo. Então o cenário para o qual a gente está caminhando é uma metrópole quente, seca e que, de repente, dá aquela tempestade arrasta pessoas em minutos. É isso?
Maglio – No caso de São Paulo seriam intensas. Lá naquele dia que aquela senhora faleceu afogada em Moema, choveu 70 milímetros em quatro horas! E como são galerias previstas para 45, 50 milímetros – e não para 70 ou 100 milímetros -, em quatro horas já inunda certas áreas. E a bacia de Moema é toda impermeabilizada, tanto que uma chuva intensa de 70 milímetros já causou aquilo. Lembra que em setembro do ano passado, quando teve chuvas com ventos de 70, 80 km/h, que derrubaram fios, árvores bateram em fios? A cidade ficou uma semana com mais de cinco mil residências com apagão. Aquilo também é manifestação climática. 
Claudia – Uma recomendação importante é levar a sério a tempestade. Qual a sua opinião sobre piscinão e canalização de rio? Isso serve para alguma coisa e o que deveria ser feito, se isso não serve pra resolver o problema?
Maglio – É uma medida paliativa, mas completamente insuficiente porque você tenta domar as águas orientando, retificando o rio, canalizando. O que acontece? Ele ganha mais velocidade e mais vazão, rapidamente. E isso vai inundar outra área que está abaixo. Então a canalização tem o efeito de não espalhar para os lados, mas ela espalha para o ponto à frente e você vai inundar as áreas baixas, outros pontos. Já o piscinão é para reter um pouco a água, mas isso tudo tem um limite possível. Eu estudei o caso de algumas regiões da Grande São Paulo. Se não conseguirmos outras formas naturais de fazer a água penetrar no solo, de ter uma esponja, não adianta.
Claudia – Essa medida perdeu a eficácia?
Maglio – É uma medida paliativa que tem limite. O piscinão fica assoreado e sujo, perde o seu efeito e você não tem outras medidas. A orientação geral é que a cidade precisa ser mais resiliente. Precisa ter áreas verdes e deve funcionar como uma esponja. Com muito mais parques, praças, e praças não concretadas, absorvendo água, muito mais gramados. Isso sim faz a água penetrar no solo, não correr rapidamente para os fundos de vale e encontrar as pessoas em vias que foram feitas incorretamente. Como é o nosso caso. A maioria das grandes vias está nos fundos de vale. Então é o lugar mais arriscado quando essa chuva intensa acontece.
Claudia – O que mais temos que fazer?
Maglio – Precisamos preservar a água. Nós temos nascentes, jogamos água fora das nascentes, tem a água subterrânea que os prédios ficam bombeando para a sarjeta e desperdiçam. Proteger todas as fontes. Temos que mapear as nascentes, protege-las, conservar as águas subterrâneas e gastar menos. Temos até um projeto de lei, do vereador Toninho Vespoli, que eu participei da elaboração com outros colegas, de cadastrar todas as nascentes urbanas da cidade e protege-las, porque elas são o nosso ponto de salvaguarda.
Claudia – Sou regeneradora de nascentes e tenho um exemplo, que é a ‘Horta das Corujas’, que não tinha nenhuma nascente e quando você começa a permeabilizar o solo, que é uma coisa que ajuda na seca e na cheia, é incrível, as nascentes começam a surgir. Tem gente que não sabe a história da água de drenagem, que é quando se constrói aquelas garagens lá para o fundo e elas não são estanques. 
Maglio – Sim, o caso passa por vários bairros. Esse mapeamento, essa reversão, essa questão de destruir as nascentes, de jogar água fora, tudo isso é vital para quem quer proteger e conservar as águas para o futuro, porque elas vão ser as nossas soluções nas épocas de crise. E nós estamos jogando água fora.
Claudia – Muito bom você falar em cisterna. Sou uma das fundadoras do “Movimento Cisterna Já”, junto com Ariel Kogan e Guilherme Castagna. A gente fundou esse movimento na crise de 2014, eu tenho cisterna e telhado verde em casa, isso é superimportante. Outra vantagem da cisterna, além de resolver a vida quando tem enchente, é que ela ajuda a evitar a enchente. Porque toda aquela água, em vez de ir pra sarjeta, é retida.
Maglio – E esses prédios que usam o subsolo para fazer garagem, além de não fazer cisterna eles jogam a água fora. São muitos casos assim e essa legislação precisa mudar radicalmente. A legislação que controla as águas subterrâneas e obriga a recuperar, proteger, soluções que são conservação de água. E não de jogar água fora.
Claudia – Vamos falar das ondas de calor, que estão acontecendo. E aqui em São Paulo a gente mergulhou nisso e parece que ondas de calor vão ser meio frequentes. Tem alguma coisa a fazer para amenizar?
Maglio – Aí tem muita coisa pra fazer também, que é o caso da arborização urbana. Eu conheço uma cidade que está fazendo o seu plano diretor, que é Taboão da Serra, e estou acompanhando. Taboão precisa arborizar. Tem áreas zero, é ultradensa e pouquíssima vegetação. Tem ilhas e ondas de calor porque são áreas que aquecem facilmente, com solo impermeabilizado, casas uma do lado da outra e não tem árvores. Precisamos ampliar ali a arborização urbana, esse programa precisa sair do papel. E as pessoas podem trabalhar e ajudar, como estão fazendo no Butantã, plantando para fazer corredor ecológico. A própria população está fazendo acontecer o corredor. No Butantã tem um movimento enorme de plantio de árvores e elas são vitais porque absorvem água, minimizam o calor e conseguem deixar o clima mais ameno. Mas o principal é que não podemos ter cidades tão impermeabilizadas como temos. Isso vai levar a uma situação cada vez mais difícil de conviver. 
Claudia – A solução da onda de calor é verde, né? Ivan, o que mais você quer comentar com as pessoas sobre os riscos climáticos de São Paulo?
Maglio – Acho que uns riscos aí são os nossos próprios políticos. Estamos recebendo uma informação trágica, essa de colocar a via Raposo Tavares dentro da cidade, ampliando as pistas, causando mais impermeabilização e destruindo árvores. Estamos tendo uma inversão de valores, como canalização, piscinões e agora por a rodovia dentro da cidade. Em vez de transformar aquela via numa avenida urbana, mantendo as árvores e ligando os lugares, estão piorando. Estamos vendo projetos absurdos que são a antítese de tudo o que a gente falou. Preste atenção porque é gravíssimo. Apesar de todo o esforço de buscar uma sustentabilidade, uma cidade resiliente, você ainda vai fazer o contrário. Vai fazer tudo o que a ciência diz que é pra não fazer, que é impermeabilizar mais, destruir árvores, trazer mais carros, em vez de transporte de massa, transporte eletrificado, que gera muito menos gases de efeito estufa e impactos para o planeta. Então estão acontecendo coisas como essas. Eles dizem que é a nova Raposo Tavares, mas ela é uma bomba sobre São Paulo muito grave.

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