10/08/2023 às 23h51min - Atualizada em 10/08/2023 às 23h51min

Pai é quem cria

Rogério Candotti | [email protected] | blogdorogerinho.wordpress.com

No início a Terra estava sem forma e vazia. Ao norte no Niheim era mais frio que o próprio frio e ao sul no Muspel o calor absoluto. Assim, do contraste entre o gelo e o fogo nasceu Ymir e a vaca Audhumla para o ancestral dos gigantes se alimentar do seu leite. Do suor de Ymir surge o deus primordial, Buri, casando-se com uma giganta desalmada, a fim de gerar o semi-deus Borr: marido de Bestla e pai Odin, Vili e Ve, os quais criaram todo o universo do corpo de Ymir, tal qual Marduk ao matar Tiamat, o mesmo da Caverna do Dragão. Por isso, Deus está em todas as coisas. Logo, o Pai de Todos, Odin, troca o olho físico pelo espiritual, de modo a conhecer o passado, o presente e o futuro, dando uma alma vivente aos seres-humanos após ganharem o corpo e a mente dos irmãos Vili e Ve. Em Thor: Ragnarok (2017), no entanto, Odin (Anthony Hopkins) é morto por Hela (Cate Blanchett), mas é vingado por Thor (Chris Hemsworth), mesmo sem o Mjolnir e com apenas um olho; até ganhar outro de presente de Rocket Racoon (Bradley Cooper) e Groot (Vin Diesel).
O guaxinim antropomórfico foi inspirado na canção dos Beatles de 1968, Rocky Raccoon, cuja origem foi finalmente revelada em Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023), disponível no Disney Plus. Rocket foi aprimorado geneticamente com outros animaizinhos antropomórficos por um cientista louco, à la Dr. Moreau (Chukwudi Iwuji), formando uma sociedade eugenista com a nostálgica estética dos anos 1980. Dessa forma, James Gunn encerra sua estimada trilogia com chave de ouro, surpreendendo pelo tom pesado e um tanto melancólico, graças ao “vilão mais cruel do MCU”, segundo o próprio diretor. Novamente de forma redentora, aqueles bastardos amados conquistam sua glória, amparados pelo acaso; seja no improviso ou na tática; com ironia ou sarcasmo à base de emoção, provocando gargalhadas no público a todo momento. Na prisão de Kyln onde os companheiros se reuniram, Drax (Dave Bautista) buscava vingança pela morte da família, cujo mandante foi Thanos (Josh Brolin), que também assassinou a mãe de Gamora (Zoë Saldaña) e metade do seu povo, antes de adotá-la ao lado de Nebulosa (Karen Gillan). O Titã Louco empregava essa mesma política malthusiana em cada planeta que conquistava, uma vez que usou todas as seis Joias do Infinito em Vingadores: Guerra Infinita (2018), de modo a exterminar metade da população do universo, incluindo Gamora, sacrificada pela Joia da Alma, e a Viúva Negra (2021) por esse mesmo motivo, ao voltar no tempo após o Blip. Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) é descendente dos últimos czares que governaram a Rússia antes da Revolução de 1917. A órfã de infância foi educada por uma família de espiões, ao estilo da série The Americans, cujo pai adotivo Alexei, sob o codinome Guardião Vermelho (David Harbour), é um frustrado capitão américa soviético com ideias defasadas socialistas, enquanto a esposa Melina (Rachel Weisz) é uma brilhante cientista que projetou a nefasta Sala Vermelha em Cuba. No ano de 1996, aquela ilha comunista transformou-se no novo lar da futura agente da KGB e da sua irmã postiça Yelena Belova (Florence Pugh), como membros de um subjugado grupo de cobaias femininas à serviço daquele estado totalitário. As viúvas negras eram exploradas, violentadas e castradas a partir de uma lavagem cerebral subversiva à base de uma toxina viral desenvolvida em laboratório. Ótimas coreografias de luta e saudáveis discussões à mesa de jantar, lembram com muito afeto que família é tudo igual, só muda de endereço: voltadas ao crime ou à justiça.
Peter Quill (Chris Pratt), cuja jornada do herói começa aos 8 anos após ganhar uma fita K7 com os melhores clássicos do Rock nos anos 70 e 80: o último presente da mãe antes de morrer de câncer quando foi abduzido em 1988. Esse choque de cultura fez os parceiros intergaláticos acreditarem que os heróis de infância do terráqueo são de verdade, corroborado por Peter Parker (Tom Holland), outro Nerd de carteirinha. Quill foi criado pelo traficante de crianças Yondu Udonta (Michael Rooker) que só não o entregou ao seu pai biológico Celestial, Ego (Kurt Russell) porque o deus inspirado em Cronos “engolia” todos os seus filhos. Isso até a farsa ser revelada pela meia-irmã do Senhor das Estrelas, Mantis (Pom Klementieff), que ajudou os Guardiões da Galáxia explodir aquele orbe maldito enquanto o Quill era salvo na última hora pelo pai de criação da cor do céu, pouco antes de tocar a canção de Cat Stevens, Father & Son. Afinal, pai é aquele que cria.

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