17/03/2023 às 00h39min - Atualizada em 17/03/2023 às 00h39min

​A culpa não é só da chuva

por Maurício Ramos

São Paulo tem sofrido demais com os recorrentes alagamentos, e todos que estão na rua na hora das chuvas, se preocupam em como irão voltar para casa. Infelizmente uma senhora de 88 anos não voltou. Ficou presa dentro do carro durante uma forte chuva em Moema e morreu, após uma parada cardiorrespiratória. O problema não é de hoje, pois vimos uma foto de alagamento em 1958, na Rua da Cantareira inundada e surgiu a pergunta: o que foi feito para reverter esse processo nos últimos 65 anos? Nenhuma ação até hoje foi eficiente para corrigir os erros da urbanização, que não considerou a importância das águas urbanas, desrespeitou seus caminhos e invadiu sua área natural. Enterraram córregos para dar passagem aos carros, apenas pelo fato de não estar de acordo, com uma megametrópole desenvolvida.
Essa urbanização privilegiou o asfalto, impermeabilizou a cidade e a rede drenagem foi desenhada, para que as águas das chuvas fossem rapidamente escoadas para as áreas de várzea. Antes disso o caminho das águas seguia seu curso natural, e chegava nas áreas de várzea mais lentamente, infiltrando no solo e ocupando seu espaço da mesma maneira pacífica.

Qual a solução proposta pelas nossas autoridades?
Quando falamos sobre alagamentos, logo vem a proposta imediata do poder público para combate ao efeito: “Piscinão ou bacia de retenção “. Construir nos moldes que são propostos, é errar mais uma vez, tentando resolver problemas e desconsiderando totalmente a natureza. O piscinão é um grande caixote de concreto, uma obra invasiva que gera um impacto negativo, tem um custo alto, armazena águas tóxicas e serve de moradia para toda sorte de insetos e roedores.

Qual seriam as alternativas?
Para combater os alagamentos e reverter esse processo é necessária uma mudança nos rumos da nossa política urbana, e adotar um conjunto de soluções baseadas na natureza, para recuperar a permeabilidade do solo. Soluções como biovaletas, jardins de chuva, trincheiras pluviais e outras soluções de baixo impacto. Algumas subprefeituras adotaram soluções baseadas na natureza de maneira descentralizada, mas o poder público em geral tem agido de forma muito tímida e lenta. Vi alguns movimentos nas Subprefeituras da Sé, Pinheiros e Lapa nessa direção, mas nada efetivo. 

‘Plano Emergencial das Calçadas’
A Prefeitura requalificou 1,6 milhão de metros quadrados, mas infelizmente o decreto 58.611 de 24.1.2019 não permitia uso de piso permeável, ou qualquer outro tipo de piso e foi aplicado concreto moldado. Após protestos o decreto foi alterado, mas as obras já haviam sido concluídas. Outras soluções simples, também poderiam auxiliar para reter as águas como desbloquear o caminho das águas para as áreas verdes. Nas áreas privadas, estimular os munícipes através do IPTU verde, a ampliar a área permeável. A construção dos parques que foram programadas no Plano Diretor e nem saíram da prancheta, também contribuiriam e muito, se fossem construídos com a premissa das soluções baseadas na natureza. 

Na contramão
Enquanto grandes centros urbanos ao redor do mundo estão adotando essas tecnologias baseadas na natureza, nós continuamos impermeabilizando o solo ainda mais e estimulando a destruição de bairros para construir uma quantidade absurda de edificações, que para sua construção atinge o lençol freático. Culpar a chuva é muito mais fácil, do que admitir os erros e equívocos cometidos nos últimos 60 anos, e tentar reverter esse processo para amenizar o sofrimento daqueles que não só perderam seus entes queridos, mas seus bens, pela invasão das águas em suas casas.
*Mauricio Ramos, Consultor da Comissão de Segurança Hídrica PMSP - Aliança pela Água, Ativista das Águas Urbanas e Conselheiro Municipal de Política Urbana – Titular Macro Região Oeste (Pinheiros- Lapa –Butantã)

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