22/02/2024 às 21h23min - Atualizada em 22/02/2024 às 21h23min

​Enchentes: como lidar com o problema?

A cidade de São Paulo sofre no verão com as consequências de sua urbanização. As chuvas não encontram o escoamento necessário, os rios canalizados sobrecarregam-se e as ruas acabam se tornando córregos. Uma das soluções apresentadas é a construção de piscinões, mas essa medida vem sendo questionada por especialistas. A Gazeta de Pinheiros – Grupo 1 de Jornais conversou com Lucila Lacreta, arquiteta urbanista, diretora executiva do 'Movimento Defenda São Paulo', sobre o tema.
Gazeta de Pinheiros - São Paulo vem apostando na canalização de rios, pequenas correntes de água e córregos. Há outras medidas que pudessem estreitar a relação da cidade com a sua natureza?
Lucila Lacreta - "No início do século XX debatia-se o que fazer com as margens dos rios de São Paulo. Esgotos eram jogados nos córregos, criando um problema de saúde pública. De um lado  estava Saturnino de Brito, engenheiro sanitarista, que propunha 'maior respeito aos movimentos naturais dos rios'. Previa, portanto, a retificação das margens do Rio Tietê com 90 a 120 metros de largura, que seria cercado por parques com mais 30 metros de largura. Com uma visão mais ecológica, considerava o 'uso integrado das águas', demandas por transporte, saneamento, energia e recreação. Estações de tratamento de esgoto, áreas de lazer contemplativas nos parques e lagos artificiais, tanto para potencializar o lazer nestas áreas verdes, quanto para servirem como elementos captadores de águas das chuvas, evitando enchentes”. Não teve a força política para vencer a outra proposta de Prestes Maia".

Plano de Avenidas para São Paulo
"Do outro estava o engenheiro paulista Prestes Maia, muito influente na época que lançou seu  'Plano de Avenidas para a cidade' em 1924, que apresentava a criação de diversas avenidas. Não considerou a importância dos rios e córregos no sistema de drenagem da metrópole. O plano previu a canalização dos rios, escondendo-os, dando lugar às avenidas. Marginais foram retificadas, avenidas de fundo de vales foram implantadas, córregos por toda parte canalizados, e o resultado é bem conhecido pelos paulistanos."

Impermeabilização da cidade
"E o que é pior: nestes últimos 100 anos, principalmente nos últimos trinta, com a desenfreada e deletéria impermeabilização da cidade, com a construção de edifícios muito altos e com vários andares de subsolos ignorando a existência de nascentes, veios d´água, sem atender as APPs obrigatórias, o já crucial problema da drenagem desta cidade entrou em evidente colapso. As galerias de captação de águas pluviais tão necessárias, não foram redimensionadas ao longo de tempo para captar as águas, que agora correm pelos leitos das vias ou por onde haja passagem para escoá-las, limitando a Prefeitura a fazer limpeza de bueiros."

Córrego Verde e as Ruas Henrique Schaumann e Ásia
"Exemplo deste fato na região de Pinheiros é que na margem esquerda, parte da bacia entre o traçado do Córrego Verde e as Ruas Henrique Schaumann e Ásia, não existem galerias de águas pluviais. As águas descem pela superfície das ruas até alcançar a Rua Harmonia e aí não dispõem de condições de penetrar na galeria, por ter diâmetro insuficiente,  causando os problemas de inundações já conhecidos neste trecho crítico. Essa situação persiste até hoje. E essa impermeabilização generalizada do solo desta cidade não levou em conta a capacidade de suporte das infraestruturas instaladas e futuras, entre elas as de drenagem."
Gazeta de Pinheiros - Qual é a necessidade da construção de um piscinão? Há alternativas possíveis?
Lucila Lacreta - "Nos aos anos 90 a empresa 'Hidrostudio' propôs ao Governo do Estado a construção de mais de 90 piscinões, para resolver definitivamente o problema da cidade. Não só não resolveu, como criou outros piores: deixou-se de investir no redimensionamento das galerias de águas pluviais (obras muito mais baratas e eficazes). Não se adotou a política de não impermeabilização urbana, começando pela obrigatoriedade de dotar os terrenos privados e públicos de maior porcentagem de áreas permeáveis; da utilização sistemática de pisos drenantes;  execução de obras para retirada do lançamento dos esgotos das galerias de águas pluviais que correm para os rios, contaminando-os; implantação-de 'jardins-de-chuva' por toda a área da cidade, entre outras inúmeras medidas já consideradas eficientes de renaturalização, de áreas degradadas ou muito impermeáveis."

Sem áreas verdes
"Além disso, a prefeitura ao implantar um piscinão em praças ou áreas verdes, estádios, etc, por prescindirem da desapropriação de terrenos mais adequados para sua construção, ou seja, por diminuírem o custo final da obra, cria um problema muito mais sério que é o de retirar definitivamente da população, uma área verde de praça com todas as funções ambientais que uma cidade como São Paulo requer e exige."
Gazeta de Pinheiros - Com o aumento significativo das mudanças climáticas, como a cidade deve olhar para sua estrutura?
Lucila Lacreta - "Espera-se uma 'virada de mesa' na conduta administrativa das futuras administrações estaduais e municipais para elaborar, juntamente com a população que está consciente, de que desta forma a cidade estará inviabilizada proximamente, um plano de drenagem, a ser executado a longo prazo, de medidas mitigadoras que atendam ao interesse público majoritariamente, com medidas consagradas e adotadas internacionalmente, muito mais baratas que o da construção dos famigerados piscinões."

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