por Airton Gontow O Brasil perdeu na manhã de 9 de abril, uma grande dama da gastronomia mineira, Maria Lúcia Clementino Nunes, a Dona Lucinha, 86 anos, chef de cozinha (cozinheira, como tinha orgulho em dizer), empresária, esposa, mãe, avó de 23 netos e cidadã atuante em diversas ações em prol das pessoas desassistidas. Nascida em 1932, no Sêrro, Minas Gerais, exerceu com paixão e competência as mais diversas atividades, ao mesmo tempo em que criava seus 11 filhos, ao lado de Marcílio, seu marido e companheiro de toda a vida. Foi catequista, professora, salgadeira, doceira, feirante, quitandeira, diretora escolar e vereadora. Fundadora do restaurante Dona Lucinha, que existe atualmente em Belo Horizonte, com duas unidades, e São Paulo; e autora, ao lado da filha, Márcia Clementino Nunes, do livro “História da Arte da Cozinha Mineira por Dona Lucinha”, pela Larousse, entre outros livros, preservou e ampliou, através da gastronomia, a cultura mineira. Dona Lucinha tinha especial preocupação em, como define a orelha do livro, compreender e preservar a cozinha de origem gerada nos primeiros anos dos setecentos nas Minas do Ouro e do Diamante. Sempre respeitada, foi homenageada com pompa no Carnaval de 2015, quando ela e seu livro "História da Arte da Cozinha Mineira por Dona Lucinha" inspiraram o samba-enredo “Do Fundo do Quintal, saberes e sabores na Sapucaí”, da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro. Tive a honra de trabalhar como assessor de imprensa do restaurante em São Paulo, dirigido por Elzinha Nunes, filha de Dona Lucinha. e do lançamento da “História da Arte da Cozinha Mineira”. Sempre foi um prazer conversar com essa mulher altiva, elegante, bonita, extramente preocupada com todos os detalhes da cozinha e do restaurante e que, além de tudo já citado, era apaixonada por poesias, que até poucos anos antes da sua morte declamava sem ler, já que gravava tudo com a memória da mente e do coração. De acordo com a família, Dona Lucinha vinha passando bem, apesar dos efeitos da doença do Alzheimer, que tinha há algum tempo. Morreu de infarto, sua casa, em Belo Horizonte. Deixo aqui meu carinho e sentimentos à família e meu eterno respeito e admiração por essa grande mulher brasileira. DO LIVRO “HISTÓRIA DA ARTE DA COZINHA MINEIRA POR DONA LUCINHA “Sou uma mulher dada a ousar. Mas registrar em livro o fruto de minhas reflexões e experiências culinárias é, para mim, um desafio imenso. Toda a formação acadêmica que possuo é a de ter sido professora primária. Fiz mesmo foi a faculdade da vida. Da observação, das perguntas sem fim, do respeito e da curiosidade pelos conhecimentos ancestrais guardados nos hábitos e nas memórias dos velhos da minha terra - e até da pura intuição - é que fui criando meus conceitos e minhas certezas. O que agora apresento em forma de livro. Assim, que não se espere desta “História da arte e da cozinha mineira” um tratado com ideias lógicas e impessoais. Espere-se, sim, a provocação de lembranças e saudades, o cheiro de café torrado e moído na hora, o sons de ferradura nas calçadas de pé de moleque. E talvez, quem sabe, algo mais do que a pura tradição possa fluir dessas páginas, pois a arte culinária, como qualquer outro fruto do conhecimento humano, é algo que se cria e recria continuamente, que segue pela história fazendo trocas com o tempo. Por isso mesmo - e até porque gostamos de inventar -, é que devemos também preservar a herança dos que vieram antes de nós.” ...“Aprendi a ver a cozinha como um espaço cultural: lugar de misturas que atende as necessidades da nutrição e do prazer, que possibilita a criatividade, que expressa crenças, que cria paladares. Aprendi também que há ciência na panela: a mistura dos ingredientes reflete um longo aprendizado humano. Para cada local, cada clima e cada povo se faz uma escolha. E ela será, certamente, a mais adequada.” ------------------------------------- Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade. #gastronomiamineira #gastronomia #cozinhabrasileira??#cozinhabrasileira
