04/11/2021 às 22h34min - Atualizada em 04/11/2021 às 22h34min

​A verticalização estimulada pelo Plano Diretor é benéfica para a cidade de São Paulo? NÃO

Princípio de inclusão social deu lugar à construção de edifícios de alto padrão

O problema da verticalização estimulada pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 está na proporção excessiva em que ela foi promovida e pela forma como foram delimitados os chamados Eixos de Transformação da Estruturação Urbana. Trata-se de um zoneamento definido de forma geométrica, sem respeitar a cidade e suas diversidades ambientais, culturais e urbanísticas, e com parâmetros urbanísticos permissivos que valem tanto para lotes de 500 m2 como 100 mil m2, além da ausência de limites para o gabarito de altura máxima dos edifícios.
Pautada no conceito de adensar e verticalizar a cidade nas áreas de influência das estações de metrô e corredores de ônibus, a delimitação sem planejamento das áreas de influência dos eixos vem causando a demolição gradual da cidade ali existente, levando de roldão um tecido social rico e culturalmente construído, que faz a beleza, a vitalidade econômica e a ambiência de bairros incluídos deliberadamente dentro desses limites.
O princípio de inclusão social estabelecido no PDE que deveria ser a base das novas edificações, para ampliar a oferta de habitação de interesse social e de mercado popular, além de aproximar as populações carentes dos locais de trabalho— foi subvertido para a construção de prédios de alto padrão, que vem promovendo a gentrificação e a expulsão das classes médias que viviam nesses locais.
A implantação automática dos eixos criou múltiplos conflitos urbanísticos e impactos ambientais e de vizinhança no entorno das estações do metrô, especialmente quando há presença de nascentes e córregos, como é o caso da praça das Nascentes, na Pompeia, dos córregos Saracura, na Bela Vista, e do Sapateiro, na Vila Mariana, além de impactos como o assoreamento do córrego das Corujas, na Vila Madalena.
Face a esses estímulos, ocorre a sistemática demolição de vilas para a construção de megaedificações junto a ruas sem saída no entorno das estações, em áreas de alta declividade e com rebaixamento permanente do lençol freático, provocando colapsamento de solo e impactos nos edifícios e sombreamento de parques e áreas verdes, com prejuízos à vegetação —como no caso do Parque da Água Branca.
A verticalização extremamente permissiva da legislação atual pode ser, à vontade do empreendedor, encontrada em qualquer lugar da cidade sem que os parâmetros ambientais, de transporte, de qualidade de vida, de sustentabilidade e de preservação de bairros, significativos do patrimônio urbanístico, tenham sido previamente estudados, avaliados e dimensionados na impactada cidade de São Paulo. Felizmente, muitos grupos da sociedade civil, num movimento crescente, vêm resistindo e se mobilizando para alterar esse modelo de urbanismo predatório.
No momento em que escrevo este artigo, recebo a notícia de que o governo municipal e o Conselho de Política Urbana finalmente acolheram o pedido da sociedade civil de adiamento da revisão do Plano Diretor, reconhecendo que não há um diagnóstico consistente dos seus efeitos e resultados, bem como o impacto devastador da pandemia na dinâmica da cidade. Resultado da mobilização da Frente pela Vida, composta por cerca de 500 entidades, da qual participo, para resistir à pressão do mercado imobiliário. Portanto, após um ano de luta, essa é uma vitória retumbante da sociedade civil.
*Ivan Maglio, Engenheiro civil, doutor em saúde ambiental e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), foi coordenador executivo do Plano Diretor Estratégico (2002) e da Lei de Uso do Solo (2004)

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